Além de pandemias e outros males, mais
letal do que elas e eles, muito mais letal, total e definitivamente destrutivo
da vida no planeta constitui o permanente e onipresente perigo nuclear.
Desde que os cientistas, movidos e
pagos pelas classes dominantes e seus representantes legais dos países mais
desenvolvidos (e mais ambiciosos), estabeleceram a “cizânia entre os átomos”
conforme o poeta de Patos de Minas, Ricardo Marques, a terra perdeu sua
incolumibilidade e possível infinitude, passando a correr perigo, real e
factível.
Conforme o diplomata Sérgio Duarte,
“uma das maiores autoridades mundiais no tema” (Folha de S. Paulo,
06/03/2020), em depoimento ao citado jornal, “embora a quantidade total dessas
armas [nucleares] tenha diminuído consideravelmente ao longo do tempo, os
arsenais existentes são suficientes para inviabilizar completamente a
civilização humana caso sejam utilizados, por desígnio ou acidente”.
Não obstante, por meio de acordos e
convenções, o arsenal nuclear tenha diminuído, “o mundo hoje corre mais riscos
de ver um conflito atômico do que há 50 anos [....] não há dúvida de que nos
tempos de hoje o mundo é mais perigoso do que em qualquer época desde o início
da era nuclear”, afirma ainda o citado especialista.
Com o término, por volta de 1990, da
Guerra Fria entre EE.UU. x URSS, pensava-se que o latente perigo nuclear teria
passado e o mundo caminharia para distensão, destruição de arsenais e mísseis
e, finalmente, desarmamento.
Isso, no entanto, não ocorreu,
demonstrando que a situação de animosidade e beligerância entre nações não foi
nem é decorrência da antinomia entre regimes econômicos (capitalismo x
“soi-disant” socialismo), mas, é endógena, de dentro do próprio capitalismo, o
que a torna permanente enquanto esse regime subsistir e predominar. E quem irá
pôr o guizo no pescoço do gato?
A rivalidade entre os EE.UU. e a
Rússia capitalista continua acesa, não apenas retirando-se os EE.UU. de acordo
de contenção nuclear celebrado com a Rússia como, ainda, acelerando a produção
de artefatos nucleares e aperfeiçoando cada vez mais a eficácia e alcance de
mísseis transportadores.
A efetiva ocorrência dessa contradição
intercapitalista tomou vulto e ganhou ênfase com a atual “guerra” comercial abertamente
declarada e implementada pelo Governo dos EE.UU. contra a capitalista China (só
nominalmente denominada “socialista”), “guerra” que nada tem de ideológica ou
de divergente cunho organizacional.
A concorrência, princípio básico e até
certo ponto salutar do capitalismo, possui efeitos colaterais (ou até centrais)
perniciosos quando exacerbados, como vem sendo o caso por parte dos declinantes
EE.UU., que não querem perder sua hegemonia mundial, econômica e militar.
Que o caso não é nem nunca foi ideológico
nem de princípios (morais, religiosos e democráticos), basta lembrar a sincera
afirmação de John Foster Dulles, antigo ministro das Relações Exteriores dos
EE.UU. (lá denominadas Departamento de Estado), de que “os EE.UU. não tem
amigos, tem interesses”.
As assertivas de “mundo livre”,
“democracia”, “valores cristãos” e outras não passam de meros chavões
pretextuais para encobrir e disfarçar as verdadeiras razões de campanhas
publicitárias e intervenções militares, que visam defender interesses econômicos
e/ou estratégicos concretos, dos quais seus detentores não abrem mão em
hipótese alguma. Aí é que mora o perigo!
Tais interesses é que dominam,
direcionam e encaminham o mundo para ultrapassar os extremos limites da
autodestruição planetária, ponto a que se está sempre muito próximo, como o
citado embaixador Sérgio Duarte adverte:
“Todos os nove [nove já!] possuidores
de armas nucleares, sem exceção, vêm aumentando seus arsenais ou acrescentando
novas tecnologias destruidoras, como mísseis várias vezes mais velozes que o
som, uso de técnicas cibernéticas, lasers, inteligência artificial e outras
inovações, numa verdadeira proliferação tecnológica.”
*
Diante desse quadro macabro e
dantesco, o que fazer?
Essa a questão, já que a necessidade
de se fazer alguma coisa se impõe, sob pena de omissão suicida.
Mesmo assim, como se nota no mundo
todo, ninguém se move ou, se se move, constitui apenas (e por enquanto?)
movimentos isolados, desconectados de rede internacional de organizações
pacifistas e desarmamentistas, sem a indispensável divulgação e apoio de uma
mídia interesseira, oportunista e negocista.
Essa omissão deriva do desinteresse,
que se diria mórbido, por qualquer coisa que ultrapasse a luta pela
sobrevivência pessoal e familiar e, também, por comodismo e preguiça, sob a
conveniente alegação de que não se tem poder nem influência sobre a questão.
O primeiro caso é de difícil solução,
já que tirar a população de sua crônica letargia e pasmosa indiferença para o
que não seja imediato e restrito, seria o décimo-terceiro trabalho de Hércules.
Já a preguiça e o comodismo podem ser
superados pela conscientização e pela introjeção de objetivo realmente
grandioso para vidas desmotivadas.
Apesar disso, e até por isso, é
necessário que se faça alguma coisa para tentar interferir e obstaculizar o
desatino e a loucura de inúmeros detentores do poder econômico e de seus
representantes na direção (executivos, legislativos e judiciários) das nações,
cada vez mais armadas.
Enganam-se os que julgam impossível
influenciar e redirecionar esse e outros desvarios.
Contudo, é necessário, primeiro, que
se interessem e se importem com o problema. Segundo, que se informem,
minimamente que seja, sobre ele. Depois, que partam para se organizarem em
grupos de debates e atuação, em cada cidade ou em cada bairro, visando batalhar
(essa, sim, batalha humanística) pelo desarmamento mundial, primeiro, de armas
nucleares e, numa segunda etapa, quem sabe? até mesmo de armas convencionais,
com as quais os países gastam bilhões sob o pretexto de defesa, que poderiam e
deveriam ser direcionados à infraestrutura, saneamento, saúde, educação e
outros gastos imprescindíveis. Armas não são imprescindíveis.
Aliás, tais grupos poderiam ser
organizados para debates, estudos e atuação não apenas em torno do
desarmamento, porém, visando todas as questões fundamentais para a sociedade:
políticas, econômicas, organização administrativa, sistema
partidário-eleitoral, democracia, drogas, saúde, educação, segurança, etc.,
etc.
__________________
Guido
Bilharinho é advogado em Uberaba e autor de livros de literatura, cinema, fotografia,
estudos brasileiros, História do Brasil e regional editados em papel e, desde
setembro/2017, um livro por mês no blog https://guidobilharinho.blogspot.com.br/
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