Ai de quem apedreja cruz!
Cesar Vanucci
“Nenhuma
qualidade humana é mais intolerável na vida comum, nem é, com efeito, tolerada
menos, que a intolerância”.
(Leopardi, pensador italiano)
· Ativistas
sociais e parentes enlutados fincaram cruzes na areia alva da praia com os
nomes de algumas das mais (no momento em que estas palavras são digitadas) de
70.000 vítimas da tenebrosa “gripezinha” que assola o planeta. Enfermidade que
elegeu o Brasil como epicentro na América Latina, com “dilatadas chances” de
disputar indesejável primeiro lugar no pódio com os Estados Unidos. O ato na
franja litorânea carioca teve o sentido de um tributo de saudade, como tantos
outros tradicionalmente promovidos em circunstâncias ditadas por forte comoção.
Eis que, de repente, espumando ódio pelas ventas, semblante, olhar, gestos,
grunhidos na voz denunciando belicosidade, um indivíduo de maus bofes adentrou
a área, em passadas vigorosas, desfazendo os montículos de areia, chutando as
cruzes, sob olhares atônitos e indignados das pessoas ao redor. Os responsáveis
pelo ato simbólico de homenagem aos mortos, entre eles pais angustiados,
cuidaram logo de refazer o cenário vandalicamente desmontado.
Fanatice política, típica
destes momentos sombrios, desvario mental, surto paranoico ocasional, tudo isso
misturado? Como caracterizar a impactante ocorrência? No que me concerne,
ignorando o que veio a acontecer ao depois com o agressor, ocorre-me garantir
que uma coisa é absolutamente certa: ninguém apedreja cruz impunemente. Digo e
provo!
No povoado do Capão da Onça,
caminhonete desgovernada atropelou e matou uma jovem. O pai da moça, pequeno
sitiante, mandou afixar uma cruz no local do fatídico acidente. A cruz ficou
plantada na estrada quase rente à cerca de arame, nas imediações da porteira de
entrada da sede da fazenda do coronel Felisberto. O fazendeiro, chefe político
na localidade, mandou retirá-la. O sitiante Libório não concordou. O fazendeiro
resolveu arrancá-la com as próprias mãos, jogando-a de lado. O pai da vítima tornou
a colocá-la. Passando pelo local, no dia seguinte, não mais avistou a cruz.
Ficou sabendo, então, que ela tinha sido retirada e lançada em lugar não
sabido, no meio do mato. Não pensou duas vezes. Abriu a porteira e foi até o
alpendre da casa do fazendeiro. Ao avistá-lo, apontando-lhe o dedo em riste,
bradou: - “Até o final do dia, você será castigado pelo que fez!” Sem disponibilizar
tempo para discussão, quase correndo, botou o pé na estrada...
De tardinha, uma ambulância
chamada às pressas transportou o coronel Felisberto, homem de saúde robusta,
acostumado a cavalgar em locais íngremes por horas seguidas, acometido de mal
súbito, ao hospital de uma cidade próxima. Permaneceu meses internado. Até o
final de existência longa, carregou no corpo alquebrado sinais de atrofiamento
nas pernas e braços. Passou a utilizar cadeira de rodas para locomoção.
Outro episódio desconcertante
nessa mesma linha aconteceu em Riachão das Flores. O comerciante Azarias
implicou pra valer com o ritual promovido por um vizinho, às sextas-feiras, num
trecho da pracinha em que ambos moravam. O ritual consistia na fixação de uma
cruz de madeira adornada com flores e velas. O autor da proeza dizia que a cruz
era legado sagrado trazido da África por ancestrais. A intolerância do comerciante
impeliu-o a gesto extremado. Sem mais essa nem aquela, dirigiu-se até o local
em que a cruz se achava exposta com o declarado propósito de “acabar na base da
porrada com a palhaçada”. Tomou distância, à maneira dos batedores de pênalti,
para o chute fatal, mirando o objeto. A impressão que se tem é de que no
preciso momento do arremesso o piso da calçada transmutou-se num tapete de
cascas de banana. Catapruz! Que baita escorregão! A queda do Azarias foi de
contundência tal que exigiu internamento no setor de fraturas expostas do
Pronto-Socorro. Saiu de lá condenado a usar muletas pra sempre.
Isso aí: não se apedreja cruz
impunemente!
· Sinal
(a)berrante destes tempos amalucados. O excelentíssimo senhor prefeito Fernando
Gomes, de Itabuna, Bahia, em entrevista sobre a reabertura do comércio na
cidade, deixou cair esta “preciosidade”: “Mandei já fazer um decreto e no dia
09 de julho abre, morra quem morrer”.
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