sábado, 12 de setembro de 2020


Chá russo

Cesar Vanucci

“O povo com seu bom senso nativo, com a sua segura intuição das coisas boas, justas e legítimas, nunca tomou chá.”
(Escritor Ramalho Ortigão, “As Farpas”, conforme registro do “Dicionário de Citações”, de Paulo Rónai.”

· O tzar Vladimir Putin não é de dar “colher de chá” pra ninguém. Que o digam seus adversários. Prefere dar chávena inteira de chá. Com veneno dentro.
Quem dele ouse discordar expõe-se a riscos. Dentro ou fora da imensidão territorial russa. O opositor da vez, na lista dos atingidos pelos “sutis” processos empregados com objetivos de retirada abrupta de “desafetos” do palco político, é Alexei Nalvany. O citado cidadão tornou-se famoso pela divulgação sistemática, com ênfase nas redes sociais, de denúncias acerca de arbitrariedades cometidas pelas autoridades supremas do Kremlin.
O atentado de que foi alvo pode ser assim resumido. Em Tomsk, Sibéria, ele tomou chá num bar do aeroporto, enquanto aguardava voo para Moscou. Instantes depois, já alojado no avião, foi visto a retorcer-se em dores. Em Onsk, a 750 quilômetros do ponto de partida, por conta do agravamento de seu estado de saúde, o aparelho foi forçado a fazer uma parada de emergência. Inconsciente, Alexei foi hospitalizado.  O boletim de internamento acusou coma. Companheiros seus de embates políticos, alarmados, resolveram botar a “boca no trombone”. Bradaram alto, provocando comoção internacional, a informação de que Alexei, a exemplo de outros em passado recente, havia sido envenenado por ordem de Putin. A repercussão adquiriu tal proporção que às autoridades russas não sobrou outra alternativa senão atender, relutantemente, em meio a tensas negociações, ao apelo angustiado de parentes da vítima e organismos internacionais vinculados a movimentos humanitários, no sentido de que o paciente pudesse deixar a Rússia e ser medicado na Alemanha.  Entregue a cuidados médicos especiais, já a esta altura em Berlim, ele se encontra em fase de recuperação.
Os laudos médicos alemães corroboram a suspeita de envenenamento, categoricamente negada por fontes oficiais de Moscou.
O amplo noticiário a respeito dessa impressionante história, que parece extraída de novela policial, fala de uma extensa relação de casos de envenenamento registrados, em anos recentes como já dito, envolvendo, “coincidentemente”, outros cidadãos que ganharam notoriedade por militância ativa nas hostis da oposição ao governo. É oportuno recordar, a propósito, que o dirigente russo ostenta no currículo a condição de haver comandado, nos tempos do autoritarismo bolchevista, a temida KGB.
Abaixo vêm alinhados os nomes dos demais desafetos do mandatário russo apontados como vítimas de envenenamento.
 Iuri Sochekochikhin, jornalista investigativo. Faleceu. Anna Politkovskia, jornalista investigativa. Sobreviveu ao “chá”, mas foi assassinada a tiros, algum tempo depois. Viktor Iushchenko. Sobreviveu. Alexander Litvinenko, ex-espião. Ficou seriamente enfermo, após tomar chá, em Londres, na companhia de um colega de profissão. Serguei Skripal, ex-agente russo. Juntamente com a filha, sofreu atentando por envenenamento numa praia no Reino Unido. Ambos conseguiram se recuperar. Piotr Verzilov, ativista político oposicionista. Sobreviveu, após receber, como acontece agora com Alexei, tratamento emergencial de desintoxicação por envenenamento ingerindo chá. A assistência médica que permitiu sua recuperação foi prestada em clínica alemã.
As afamadas “casas de chá” de Moscou e São Petersburgo, tradicionais pontos de confraternização mundana das celebridades russas, parecem haver perdido, nestes tempos desvairados, seu fascínio e charme. Andam às moscas, como se costuma dizer no linguajar das ruas... E não por causa apenas da covid-19!

· Vamos admitir, condescendentemente, num voo condoreiro de imaginação, que 95 por cento dos malfeitos atribuídos pela mídia a Vladimir Putin e Donald Trump não passem de meras “intrigas da oposição”. Mas, cá pra nós, falar verdade, esses 5 por cento restantes são suficientes o bastante pra produzir calafrio na espinha de qualquer mortal. Não há como esquecer que ambos, os dois, ao lado de alguns outros integrantes (não tão confiáveis assim) da confraria gestora do chamado “clube atômico”, são detentores do poder de acionar os botões daqueles apavorantes painéis montados com a  tétrica finalidade de atear fogo no mundo, se isso, por acaso, atender às conveniências soberanas da geopolítica dominante. Valha-nos Deus, Nossa Senhora!

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