Hiroshima e Nagasaki
“Meu Deus! O que foi
que nós fizemos?”
(Robert Lewis, co-piloto da
fortaleza voadora que lançou a bomba atômica sobre Hiroshima)
O mundo está a relembrar, nos dias que correm, o apavorante episódio
que, há 75 anos, fez de Hiroshima e Nagasaki cidades-símbolos do holocausto.
A colossal
tragédia já foi analisada em livros, reportagens, tribunas, atos cívicos,
exposições, por historiadores, dirigentes políticos, militares, educadores,
cientistas, gente do povo, pessoas que ajudaram a apertar o botão fatídico
naquela manhã de agosto de 1945 e, também, como não poderia deixar de ser, por
parentes das vítimas fatais e dos sobreviventes.
São relembranças que carregam no bojo uma profusão de versões. Há a
versão dos vencidos e a versão dos vencedores. A versão dos estrategistas. A de
cientistas que se ocupam com entusiasmo dos avanços tecnológicos da física e do
ingresso da humanidade na era nuclear. E a dos humanistas, preocupados com os enfoques
demasiadamente técnicos da questão. Existem, ainda, versões militar, jurídica,
ética e moral. Todas escoradas numa superabundância de argumentos solidamente
plantados nas mentes de seus propagadores.
Alega-se de um lado que, se os Estados Unidos não tivessem optado pela
bomba, a invasão do Japão teria custado o sacrifício de 500 mil vidas
americanas. Reforça-se a alegação com o argumento de que havia uma nova arma
para ser empregada e que o país chegou primeiro que os adversários na disputa
pelo domínio nuclear. Em contraposição, afiança-se que a estimativa de baixas
na provável invasão foi ardilosamente exagerada, de modo a provocar comoção e
justificar o lançamento do artefato. Os Estados Unidos bem que poderiam ter
promovido, com a presença de observadores neutros e de representantes
nipônicos, uma demonstração prévia do poder catastrófico da arma. O ato valeria
como um ultimato e ao adversário, comprovadamente fragilizado àquela altura,
não restaria alternativa que não a capitulação.
No extenso capítulo da
condenação à atitude dos vencedores sustenta-se ainda que a bomba foi lançada
menos com o intuito de levar o Japão à rendição e mais com o sentido de
protocolar um recado claro e explícito à União Soviética. Uma espécie de carta
de apresentação, com currículo e referências à mostra, para o pós-guerra. Para
a desgastante “guerra fria” que se estendeu, com muito sofrimento e angústia,
até a Perestróica, a glasnost, a derrubada do famigerado “muro de Berlim” e o
consequente desmoronamento da estrutura comunista. Os anos de chumbo da “guerra
fria” foram marcados, todos sabem, pela ampliação do clube atômico, que
absorveu como novos associados a Rússia e outros países da antiga União
Soviética, a Inglaterra, a França, a China, a Índia, o Paquistão, o Israel, a
Coréia do Norte e, provavelmente, a África do Sul. E sabe-se lá mais quem!...
Só que os arsenais de agora fazem dos modelos, disparados contra alvos
japoneses, autênticas peças de museu, valha-nos Deus!...
Outro argumento contestatório à posição estadunidense está contido na
seguinte indagação: por que o repeteco, dias depois de Hiroshima, da bomba
atirada em Nagasaki? Uma única bomba não teria sido suficiente para dobrar a
arrogância do Império do Sol Nascente?
Nessa hora em que afloram relembranças do histórico acontecimento, não
há como esquecer a atuação dos cientistas engajados no projeto concebido em Los
Alamos. Receosos de que Hitler chegasse primeiro à construção da bomba, eles
fizeram um apelo a Roosevelt para que apressasse as pesquisas. Depois dos
eventos de Hiroshima e Nagasaki, muitos deles, como Robert Oppenheimer, ousaram
propor a abolição das armas atômicas. Sofreram estrondosa e amarga desilusão. A
questão já havia escapulido ao seu controle.
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