Não sobrou ninguém
Cesar Vanucci
"É prá já!"
(João David, autor de novela,
instado a apressar o desfecho da trama)
A mania nacional da radionovela
levou, na década de 50, muitas PREs do interior a criarem esquema próprio de
produção. Os radioatores, radioatrizes, autores ou adaptadores de textos eram
recrutados no meio artístico local. Cumpriam as tarefas ou por desprendido amor
à arte, ou em troca de módicos cachês semanais. As radiofonizações saiam ao
vivo. Nada de gravações, artifício técnico inacessível aos minguados orçamentos
das emissoras. No Rio e em São Paulo, pequenas empresas dedicavam-se à
elaboração de textos melosos para suprir as necessidades da radionovela
interiorana. O estilo lembrava romance de madame Delly, autora de grande
aceitação junto ao público leitor feminino. Funcionava também nas capitais como
opção, implicando em custos evidentemente maiores, uma central de produção, que
se valia do concurso de radialistas consagrados. Ela garantia capítulos
prontos, gravados.
A PRE-5, Rádio Sociedade do Triângulo
Mineiro, de Uberaba, pioneira nos Vales dos rios Grande e Paranaíba, naqueles
vastos e férteis chapadões do Triângulo, apostou na radionovela própria. A
emissora, ligada ao grupo "Lavoura e Comércio", que deixou de
circular há poucos anos depois de uma trajetória centenária, abriu caminho, no
mundo da comunicação e do espetáculo, para um punhado de celebridades. Entre
muitos outros: Urbano Vanucci Loes, que compôs com Cesar Ladeira, Carlos Frias,
Celso Guimarães e Luiz Jatobá o time dos grandes locutores do rádio; Gontijo
Teodoro, futuro "Repórter Esso"; e Augusto Cesar Vanucci, que veio a
conquistar no teatro, cinema e televisão expressivos prêmios, inclusive o
"Emy", nos Estados Unidos, e o “Ondas”, na Inglaterra. O seu “Emy”,
em 1981, foi por sinal o primeiro da série de dez arrebatados por artistas da
Globo até o ano de 2013, quando o laurel foi conferido à fabulosa Fernanda
Montenegro. Depois do ano citado o criativo time global recebeu outros “Emys”.
O "cast" da E-5, como era
de bom tom dizer-se na época, agregava gente de valor. Alguns deles: Altiva
Glória Fonseca, dona de lindíssima voz; Silvia Riccioppo, cantora lírica e
atriz teatral de méritos; Jonas Garret, José Vianna, Raul Jardim, Sebastião
Costa, que acumulava as funções de contrarregra. Do elenco infantil faziam
parte o já citado Augusto Cesar; este locutor que vos fala; e a talentosa Valia
Vieira, filha do diretor da emissora, o saudoso Waldemar Vieira, que aliava ao
perfil de humanista incomum capacidade de ação.
Se a memória não tá a fim de me
trair, "Armadilhas do destino" o nome da novela. João David, o autor,
tabagista inveterado, cigarro pendurado nos lábios, pigarro constante, dedos
amarelecidos pela nicotina, aprendera do ofício na Excelsior, de São Paulo.
Numa Remington manipulada freneticamente ia desovando com talento os capítulos
de cada dia. As cópias, em papel carbono, com uma ou outra correção a lápis,
eram distribuídas pouquinho antes do capítulo ser jogado no ar, tempo às vezes
insuficiente para os radioatores treinarem as inflexões corretas das falas.
Seja como for, o público parecia gostar da coisa. Muitos ouvintes compareciam,
assiduamente, ao auditório, conhecido por "majestoso salão grená",
para acompanhar de perto a trama "encenada" no palco, se é que assim
possa ser dito. Em "Armadilhas do destino", as tragédias pessoais com
óbitos frequentes, se acumulavam. E como a novela já se espichasse por longo
tempo, o patrocinador recomendou a João David que apressasse o desfecho. O
autor não se fez de rogado. Anunciou, resoluto: "É pra já!". Botou os
personagens remanescentes num ônibus em viagem tumultuada por estrada coalhada
de precipícios e engendrou um derradeiro desastre. Não sobrou ninguém pra
contar história.
Um comentário:
Boa tarde mestre e amigo Cesar
Deliciei-me com seus dois artigos sobre a era do rádio, as raio-novelas e o radio teatro. Como uberabense que sou, vivenciei esta época da PRE-5, e conheci vários dos personagens mencionados nos seus dois textos, incluindo o amigo e mestre, com quem tive o orgulho de trabalhar no antigo Correio Católico, hoje Jornal da Manhã. As histórias que você contou fizeram com que voltasse ao passado de ouvinte da boa e saudosa Radio Nacional, e seus grandes e inesqueciveis atores.
Grande abraco
Orlando de Almeida
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