São Francisco de Assis - vida e obra
Acadêmica Marilene Guzella * |
"São Francisco é um dos santos mais carismáticos da Igreja Católica. Com misticismo pessoal é amado e muito representado na arte popular. Suas imagens são reproduzidas aos montes: São Francisco rodeado de animais, de aves, em contato com a natureza. Até em posição de Lotus.
A atualidade de
São Francisco é considerada porque o mundo despertou para a importância da
preservação ambiental com proteção à flora e fauna. Nada mais natural do que ele tornar-se um
padroeiro ecológico.
Sua simplicidade
e despojamento consegue despertar sentimentos de ternura. Sua universalidade habilitou-o
a ser aceito por outras religiões. No sincretismo brasileiro foi adotado
pela Religião Espírita e pelo Candomblé. Algumas fontes mediúnicas fazem menção de que
seria uma reencarnação do apóstolo João, o Evangelista e que teria deixado
mensagens através de Chico Xavier. O Candomblé o identifica a Xangô. Sua
mensagem é abrangente e sua atitude foi original quando afirmou a bondade da
criação num tempo em que o mundo e o homem eram vistos como essencialmente maus.
Filósofos e filosofias que grassavam na época assim o diziam. Sua visão positiva estava de acordo com as
forças primeiras que levaram à formação da filosofia da Renascença. Dante
Aligheri disse que ele foi “uma luz que brilhou sobre o mundo”.
A santidade de
Francisco foi reconhecida quando ainda era vivo e permanece inabalada, mesmo
quando alguns cristãos dizem que é necessário um olhar crítico com base mais
científica e fazer uma distinção entre apreciações emocionais e textos
realistas. Porque verdade e lenda se
entrelaçam de maneira tão magnífica e ao mesmo tempo tão pitoresca que torna-se
difícil separar o mito do Francisco real.
Vejamos o
personagem histórico. Ele nasceu na Itália, na cidade de Assis e não se chamava
Francisco. Seu nome era Giovanni Pietro di Bernardone, nome de dois santos
também muito carismáticos. Francisco era
uma espécie de apelido. Sua família tinha raízes francesas por parte da
mãe. Dizem que o pai não estava presente
ao seu nascimento, estava na França e foi a mãe que lhe deu o nome de Giovanni
Pietro. O pai, quando voltou, chamou-o de Francesco, francês, e o filho foi
crescendo admirando a cultura francesa, o modo de vida dos franceses, falando
francês. Foi descrito como:
“Aparência
extremamente agradável refletindo a pureza de seu coração. Estatura abaixo da
média, cabeça proporcionada e redonda, face alongada, testa plana e curva,
olhos negros e límpidos. Cabelos castanhos, orelhas pequenas, voz forte e sonora,
dentes unidos, alinhados e brancos, lábios pequenos e delgados, barba preta e
rala, ombros direitos, braços curtos, mãos delicadas com dedos longos, pernas
delgadas, pés pequenos, pele fina e muito magro. “
Mas ele descrevia-se
como “um franguinho preto”.
Em Assis, o pai
de Francisco era um alto comerciante, riquíssimo. A família pertencia à alta
burguesia.
Assis fica na Úmbria,
região central da península Italiana. A Itália não existia como nação, só foi
unificada muito mais tarde, quase em nossos dias. Era dividida em cidades-estados independentes,
rivais, sempre em disputas umas com as outras.
Francisco era um
jovem de seu tempo, perfeitamente engajado no modo de vida dos jovens da época.
Agregava Indisciplina,
extravagância, paixões, bebidas, aventura, roupas na moda, liberalidade com o
dinheiro da família, interesse pelas histórias de cavalaria que levavam os
jovens a procurar aventuras. Mas nele sobressaiam as qualidades: pureza de
coração e bondade.
Sabemos que os
jovens são sempre os mesmos. Mudam os
adereços inseridos pelo tempo, pela moda, pelos costumes. Nos jovens de todos
os tempos prevalecem a inquietação, a revolta contra as autoridades
constituídas, a busca pelo novo, num borbulhar de ideias que deixam os mais
velhos perplexos e desconcertados. Costumam quebrar a cara ao arremessarem-se
nos muros do formalismo, da incompreensão e dos conceitos enraizados. Mas não
desistem, vão em frente. E aí do mundo se não fossem esses inconsequentes
visionários. O mundo estaria inerte, estagnado, preso nas teias do conformismo.
São Francisco
não fugiu à regra. Era um jovem e como todo jovem não concordava com muitas
normas de seu tempo. E rebelou-se. São Francisco foi movido por um misticismo
exacerbado e em fervor religioso muito grande. Rebelou-se contra uma sociedade
endurecida pelo egoísmo. Outros
Franciscos existiram antes e depois dele: Ghandi, Luther King e tantos mais
cujo anonimato nega-lhes a nossa reverência.
Vejamos o
cenário em que nasceu Francisco. Como era o seu mundo?
Francisco nasceu
em 1182 e morreu em 1226, com 44 anos. Viveu
na virada do século XII para o século XIII. Na Itália, como na maior parte da Europa,
vivia-se o esplendor da riqueza proporcionada pelo comércio com o oriente
próximo. Passara a época das invasões
dos Bárbaros e o continente ainda não havia sido assolado pela Peste Negra que
viria em meados do século 14.
A Europa vivia em estabilidade, as nações já
se delineando. O período feudal da servidão já vinha terminando. Antigos servos
foram atraídos pelo espaço urbano em novas atividades. As cidades aumentavam em
população e assistiam ao nascimento da burguesia através do comercio e
movimentação proporcionada pelas riquezas que os cruzados traziam do Oriente.
A Europa vivia a Era das Cruzadas e sabemos
perfeitamente o que as motivou. A desculpa era libertar o Santo Sepulcro em
Jerusalém, cidade dominada pelos muçulmanos. Estes proibiram a entrada de
peregrinos europeus. Como os nobres viviam brigando entre si, o papa pensou: _
vamos gastar esta energia lutando contra os turcos muçulmanos. Foram então
realizadas 8 Cruzadas, desde 1096 até 1270.
Se Francisco
viveu entre 1182 e 1226, foi em plena época destas expedições. Seu pai era o exemplo típico do burguês
enriquecido com o comercio proporcionado por este intercâmbio com o oriente próximo.
A época era de
grande intolerância religiosa. Na Espanha judeus e mouros eram perseguidos. O
pensamento religioso há muito se afastara dos ensinamentos daquele de Jesus de
Nazaré. O Cristianismo, com mais de mil anos, já via distante o cisma entre
católicos e ortodoxos. A igreja de Roma se firmara com um poder
extraordinário. O cerimonial do Vaticano
com sua legião de cardeais e bispos representava um esplendor nunca visto. A igreja
já criara doutrinas, liturgias, dogmas e hierarquias. O domínio sobre os
Estados Papais conferiam ao papa um status de imperador. Já instituído, o
Tribunal do Santo Ofício iria considerar hereges todos que discordassem de suas
proposições. Em vez de paz e amor aos semelhantes, a igreja ditava: _ vamos
lutar e matar mouros. O lema dos cruzados era: “Deus o quer”
Se havia ordens
religiosas que viviam em mosteiros numa vida de trabalho e oração, marcavam
presença os Templários, cujo poder e riqueza ameaçavam os reis. Os Templários
se tornaram tão ricos que viraram banqueiros quando acabaram as Cruzadas. O fervor religioso era demonstrado através da
construção de catedrais com torres altas _” mais alta a torre, maior a fé”. E
essas catedrais abrigavam sempre relíquias que atraiam peregrinos levando esmolas
generosas.
Enfim, tudo
girava em torno do dinheiro. Como se deu
a mudança na alma de Francisco?
Como disse, as
cidades viviam em guerra e Francisco, em 1202, aos 20 anos alistou-se para
lutar na guerra entre Assis e Perúgia. Foi ferido, feito prisioneiro, resgatado
só um ano depois. Ficou muito doente e teve uma longa convalescença,
permanecendo problemas de visão e digestivos. Na verdade, ele contraiu malária
e tuberculose e elas deixaram sequelas.
Esse período de
reclusão levou-o a pensar, notar as diferenças entre as pessoas, a pobreza de
muitos, o sofrimento da maior parte da população. Recuperado, ainda participou,
junto com o exército papal na luta com Frederico II, imperador Romano Germânico.
Foi quando teve um sonho, um chamado para uma missão. Intensificou-se sua
preocupação com os pobres e desinteresse pelos antigos hábitos. Claro que viveu
períodos de hesitação entre arroubos de devoção e o caminho natural de seguir o
ofício do pai.
Aí aconteceu um
fato que talvez tenha sido decisivo, seu encontro com um leproso. Era costume esses doentes carregarem um sino
avisando sua presença para as pessoas se afastarem. Francisco, em vez de se
proteger, aproximou-se e cobriu o leproso com seu manto. Foi então que venceu a
vontade de ajudar os pobres e passou a agir de forma diferente. Foi taxado de louco. Tornou-se perdulário,
começou a usar a fortuna do pai para ajudar aos mais necessitados.
Na igreja de São
Damião onde entrara para rezar, ouviu um apelo para reconstruir uma igreja em
ruínas nos arredores da cidade. Vendeu
tecidos da loja do pai para usar o dinheiro na reconstrução. O pai,
desesperado, levou-o ao bispo. Foi quando aconteceu a cena que se tornaria
marcante em sua vida. Tirou suas vestes, devolveu-as ao pai e foi viver nas
ruinas da igreja. Outros jovens aderiram
à causa e foram viver lá também. Formaram uma comunidade, vivendo na maior pobreza,
carregando pedras para reconstruir a igreja.
Uma jovem da
cidade, Clara, com quem manteve a vida inteira uma parceria em sua missão de
ajudar os pobres, também juntou-se ao grupo. Outras moças uniram-se a ela,
marcando o início da futura Ordem Religiosa
das Clarissas.
Havia entre eles
um amor místico, sublimado. Nada proibiria que eles tivessem uma relação
normal. Francisco não era um sacerdote sujeito ao celibato e nem Clara fizera
votos de castidade. Apenas pertenciam a um grupo de jovens que optaram por
levar uma vida de pobreza e ajuda aos necessitados. As ordens religiosas foram
criadas depois, com regulamentos e proibições. Mas eles deram ao afeto que os
unia uma realização maior do que a de sentimentos puramente humanos.
Leonardo Boff
diz em seus livros sobre Clara e Francisco de Assis:
“Clara junto com
Francisco – nunca devemos separá-los, pois se haviam prometido, em seu puro
amor, que “nunca mais se separariam” segundo a bela legenda da época –
representa uma das figuras mais luminosas da Cristandade”
“...neles
irrompeu o Eros no seu sentido mais próprio e profundo pois sem o Eros nada existe que tenha valor,
nem ciência, nem arte, nem religião, Eros que é a fascinação que impele o ser
humano para o outro e que o liberta da prisão de si mesmo” - (p. 63).
“Esse Eros fez
com que ambos se amassem e se cuidassem mutuamente, mas numa transfiguração
espiritual que impediu que se fechassem sobre si mesmos. Francisco
afetuosamente a chamava de a “minha Plantinha”. Três paixões cultivaram juntos
ao longo de toda vida: a paixão pelo Jesus pobre, a paixão pelos pobres e a
paixão um pelo outro. Mas nesta ordem. Combinaram então a fuga de Clara para
unir-se ao seu grupo que queria viver o evangelho puro e simples sem glossas e
interpretações que lhe tirariam o vigor.”
Como teriam sido
vistos nos dias de hoje? Seriam uma espécie de hippies com as devidas
diferenças. Não havia drogas e nem liberação sexual. Um bando de hippies usando andrajos, mas
diferentes, porque em seu protesto diante uma sociedade injusta fizeram esta
diferença ajudando aos necessitados, doentes e leprosos. Não apenas ajudando,
mas vivendo como eles.
E ele quis criar
uma ordem religiosa pobre, mendicante, voltada para a pobreza, pregando o
evangelho de forma itinerante. E para
isso precisava da autorização do papa. E lá se foi Francisco e seus companheiros
a pé para Roma.
Quem assistiu ao
filme “Irmão Sol, Irmã Lua” pode visualizar a situação. Embora num filme os
fatos sejam romantizados e mostrados sob uma ótica bem ficcional, o fato real é
que Francisco e sua turma, depois de muitas negativas, foram recebidos pelo
papa e tiveram deste a aprovação para a fundação da Ordem Franciscana que vem
perdurando através dos séculos.
Não foi fácil estruturar a Ordem Franciscana. Francisco
queria regulamentos tão rígidos para seus participantes que o papa
considerou-os impossíveis de serem praticados. Muitas normas foram abrandadas e
Francisco teve de aceitá-las por obediência ao papa. Muitas viagens de
evangelização foram empreendidas por ele e seus companheiros enfrentando
situações as mais adversas.
Em seus últimos
anos Francisco foi se isolando, passando a maior parte do tempo em um lugarejo
próximo, Porciúncula, tornando-se cada vez mais místico. Consta que ele
adquiriu as estigmas de Cristo, isto é feridas nos mesmos locais das feridas de
Jesus, feridas estas que ele procurava esconder. Surge a indagação, teria ficado leproso?
Sobre o filme
“Irmão Sol Irmã Lua”, trata-se de um musical e mostra um Francisco idealizado
ao lado de Clara, enfatizando já pelo nome “Irmão Sol Irmã Lua”, o jeito de
Francisco referir-se a animais e coisas como irmãos. Ele queria dizer que tudo
pertencia à obra divina do Criador
A cena de
Francisco e seus companheiros, todos eles maltrapilhos, descalços, sendo esmagados
pela pompa da corte do papa é fantástica. Este reinava, sentado majestosamente num trono,
no alto de muitos degraus. A cena é chocante, mostrando o contraste entre as
duas concepções de religião. Francisco
foi visto com desdém pelos altos prelados. O que fazia ali, num lugar tão
suntuoso, aquele bando de maltrapilhos? Eles estavam conspurcando a casa de
Deus.
De repente, o
inusitado. O papa, depois de ouvir Francisco, foi tomado de uma iluminação mística,
um transe divino e sua atitude deixou todos boquiabertos. Ele desceu do trono, caminhou
até Francisco e beijou-lhe os pés. A
estupefação geral foi encerrada quando alguém, tomando as rédeas da situação,
fez o papa voltar a sua postura e sinal a Francisco que poderia se retirar.
Francisco deixou
um legado, uma revolução na maneira de viver a religião. Foi canonizado apenas
dois anos após sua morte, fato raro na história das canonizações.
Morreu o homem.
Desenvolveu-se a lenda. A figura de Francisco chegou a substituir personagens
de Contos de Fada. Quando Ítalo Calvino escreveu o livro “Fábulas Italianas”,
uma coletânea de contos populares recolhidos na região da Toscana e da Sicília,
muitos com enredos semelhantes aos contos de fadas no resto da Europa, muitos
destes contos tinham sido cristianizados pela população. Fadas madrinhas, velhos sábios, figuras
benfazejas haviam sido substituídas por Nossa Senhora, São José, São Pedro e
São Francisco.
São Francisco é uma união de várias figuras: o homem, o santo e o mito. Tornou-se um arquétipo, uma referência do ideal humano."
* |
Mensagem dos leitores
-
Cel Klinger Sobreira
de
Almeida,
membro da
Academia
“João Guimarães Rosa” da Polícia Militar
de
Minas Gerais: “Caro confrade Cesar Vanucci, boa tarde!
Seu
Blog, sempre de conteúdo renovado, continua
nosso
guia. A palestra do confrade e amigo Jair Barbosa da
Costa,
que você divulgou, é magistral. Merece,
realmente,
uma audiência de qualidade.
Abraços,
Klinger Sobreira de Almeida”.
-
Cel Acadêmico Jair Barbosa da Costa:
“Mui-prezado
Presidente Vanucci, boa-noite.
Agradeço,
lisonjeado, a distinção que você conferiu
a
meu
texto
sobre o Patrono Acadêmico
da
AMULMIG.
Continuo
ao dispor de nossa Casa Franciscana, sob
sua
batuta.
Fraternamente,
Jair Barbosa da Costa”
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