O
peregrino da paz
Cesar
Vanucci
“Implorei
do Senhor perdão e reconciliação”.
(Papa Francisco, na visita ao Iraque)
A
espessa camada de nuvens carrancudas que paira no ar impediu que a maioria das
pessoas percebesse o alentador sinal. Mesmo assim, o clarão refulgente da
histórica iniciativa, impregnada de amor ecumênico, pôde ser avistado no
horizonte, com olhar esperançoso, por uma maioria de corações fervorosos espalhada
por todas as latitudes.
Francisco,
o Papa providencial, da mão estendida e das ações transformadoras, fez a
história avançar extraordinariamente com a visita ao Iraque. Rompeu barreiras
que muitos supunham inamovíveis. Quebrou paradigmas engessados no tempo pela
acumulação de estéreis e cruéis conflitos, nascidos de interpretações
farisaicas e fanáticas da história. Coisas que, à luz do bom-senso, visão humanista
e espiritualizada, destoam do real significado da vida. O Pontífice associou
sua condição de dirigente supremo de uma poderosa corrente religiosa à missão
de estadista, provavelmente o mais bem preparado estadista da presente
conjuntura internacional. Um cidadão do mundo, provido de singulares dons, que
sabe colocar adequadamente o carisma, a inteligência e a sensibilidade a
serviço da edificação de uma ordem mundial harmoniosa e solidária receptiva aos
clamores sociais. Numa frase emblemática Francisco explicou o sentido de sua
visita a um país que guarda vestígios preciosos dos primórdios da civilização,
de predominância islâmica, dilacerado, desde muito tempo, por conflitos
apavorantes de motivações econômicas, tribais e religiosas. “Os homens são
irmãos por religião e iguais por criação”: foi o que disse. A frase, de conotação
ecumênica, resume as falas e atos do Papa na enriquecedora jornada empreendida.
Das andanças do timoneiro da Igreja Católica pelo maltratado território
iraquiano ficou, como registro duradouro, uma sequência de fortes emoções. Francisco
visitou lugares sagrados na devoção religiosa maometana. Manteve conversações
com integrantes da cúpula islamita. Esteve na região em que o patriarca Abraão,
venerado pelas diversas crenças monoteístas, nasceu e viveu. Celebrou atos
litúrgicos. Reuniu-se com grupos de várias religiões, dedicando atenção
especial, naturalmente, a membros da comunidade cristã, alvo de violenta
perseguição em passado recente, episódio doloroso que provocou a debandada de
milhares de pessoas. Uma porção significativa de cristãos, permanece ainda hoje
no exílio. Francisco caminhou por logradouros onde são visíveis os escombros
das conflagrações bélicas, de diversificados momentos, ainda próximos dos dias
de hoje. Viu, bem de perto, o rastro apavorante deixado pela beligerância
insana. Em Mossul, cidade que por algum tempo centralizou o comando do sinistro
Isis - o Estado Islâmico, manteve contatos com moradores que sobreviveram à mortandade.
Em todos os lugares por onde caminhou transmitiu mensagens de consolo, de
esperança, de fraternidade ardente. Deixou explicito que “a fraternidade é mais
poderosa que o fratricídio, a esperança é mais possante que o ódio, a paz é
mais poderosa que a guerra”. Classificou de imensamente cruel o fato de que “este
país, berço da civilização, tenha sido atingido por um golpe tão bárbaro, como
a destruição de locais de devoção ancestrais.” Falou da dor produzida pelo
massacre de mulheres, homens, crianças, muçulmanos, cristãos e yazidis,
lembrando que muitos foram forçados a deixar seus lares para não serem
aniquilados.
Em
suas manifestações, proclamou-se “peregrino da paz, mendigo da fraternidade, para
implorar do Senhor perdão e reconciliação depois destes anos de guerra e
terrorismo, pedindo a Deus a consolação dos corações e a cura das feridas”.
Encurtando
razões: o que fez Francisco no Iraque foi esclarecer que a fraternidade não é
uma exclamação retórica, oca, vazia de conteúdo. É, sim, uma proclamação solene
de fidelidade aos valores que recobrem de dignidade a vida.
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