O
poeta e o programa infantil
Cesar
Vanucci
“Saudade
é ser, depois de ter.”
(Guimarães Rosa)
O “Programa Infantil” da PRE-5 era produzido,
dirigido e apresentado pela saudosa Altiva Glória Fonseca, uma mulher charmosa
e inteligente, de presença destacada nas atividades culturais e assistenciais em
Uberaba. Levado ao ar nas manhãs de domingo, com participação animada de público
fiel, que lotava o assim chamado “salão grená” da emissora, atraia (anos 40)
uma legião considerável de ouvintes. As atrações artísticas, garotos e garotas
com inclinação para canto, declamação, esquetes, galvanizavam vibrantes
torcidas, os orgulhosos pais da gurizada em plano de realce. Augusto Cesar
Vanucci, Pedrinho Ricciopo, Arahilda Gomes, Neuza Papini, Nancy Pagano, Irmalda
Dorça, Alaor José Gomes, Maria Abadia de Oliveira,
Irmãos Miranda, Chiquito Pereira Alves, Vicente de Paula Oliveira, Joel Andrade Loes, Walia Vieira, Zilma Buggiato Faria, este desajeitado locutor que vos fala eram, entre outros, integrantes do “elenco permanente” do programa. Os ensaios para as apresentações ocorriam nas tardes de sábado. O Regional da estação de rádio, dirigido pelo maestro João Tomé, artista de mão cheia, capaz de arrancar sons de tudo quanto é instrumento apesar da cegueira de nascença, cuidava com esmero do acompanhamento dos intérpretes, fazendo, se preciso, fundo para declamações. O conjunto compunha-se de piano, violão, cavaquinho, flauta, bateria e pandeiro.
As imagens de borbulhante júbilo daqueles anos
dourados da meninice acodem-me com constância à memória velha de guerra.
Indoutrodia, num encontro de cunho poético, fui buscar no baú uma lembrança
danada de terna do “Programa Infantil da E-
“Eu sou negro: / Negro como a noite é negra, / Negro como
as profundezas d’África. Fui escravo: / Cesar me disse para manter os degraus
da sua porta limpos. / Eu engraxei as botas de Washington. Fui operário: / Sob
minhas mãos as pirâmides se ergueram. / Eu fiz a argamassa para a fábrica de algodão.
Fui cantor: / Durante todo o caminho da África até a Geórgia / Carreguei minhas
canções de dor. / Criei o ragtime. Fui vítima: / Os belgas cortaram minhas mãos
no Congo. / Eles me lincham até hoje no Mississipi. Eu sou Negro: / Negro como
a noite é negra / Negro como as profundezas da minha África.”
Do poeta, nascido em 1º
de fevereiro de 1902 e falecido em 22 de maio de 1967, fiquei sabendo mais
tarde tratar-se de um inovador da arte literária, cioso de sua ancestralidade
negra. Ativista social, romancista, dramaturgo, acabou firmando conceito como o
mais importante poeta negro de seu país. Um homem que soube transpor para a palavra
os ritmos e a cadência da música de sua gente, notadamente o blues.
E quanto ao programa da
E-5? Ele é capítulo de dias idos. Da aurora da vida, da infância querida, que
os anos não trazem mais, de que fala Casimiro de Abreu. Converteu-se em saudade.
Ou seja, passou “a ser, depois de ter”, como diz Guimarães Rosa.
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