Duas
mulheres
Cesar Vanucci
“Coragem é a dignidade colocada
sob pressão”
(John Kennedy)
A boa
memória de distinto integrante de meu reduzido, posto que leal e assíduo
leitorado, relembra artiguete divulgado anos atrás, sugerindo sua republicação.
Quando John Kennedy foi assassinado em Dallas, há 59
anos, vítima de conspiração que clama até hoje por explicação, uma rede de
televisão dos Estados Unidos retirou do ar a programação, colocando no lugar
uma vinheta com a palavra “vergonha”. Foi a forma encontrada de traduzir a
santa ira da sociedade diante da ocorrência que afastou da cena mundial uma
liderança carismática, comprometida com a construção de estruturas sociais e
políticas mais justas.
O
estado de choque causado, anos mais tarde, no Brasil, com a cassação dos
direitos políticos do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira povoou os
corações brasileiros de emoção bem parecida. A sensação de “vergonha” ficou
estampada nos semblantes das pessoas nas ruas brasileiras. Só que, por motivos
óbvios, era difícil, pra não dizer impossível, aparecer alguém com suficiente
ousadia para tornar pública, como ocorreu na rede de televisão estadunidense,
sua compreensível indignação.
No
entanto, para espanto geral, apareceu um casal em Uberaba – educadores de
escol, sem qualquer militância política – que não se intimidou com as chuvas e
trovoadas da tormenta política da hora. Os nomes da destemida dupla: Alda
Vanucci Loes Frateschi e Alberto Frateschi, ambos de saudosa memória. Ele,
maestro renomado, ela esplêndida guerreira consagrada a causas culturais e humanitárias.
Ambos fundadores do conceituado Conservatório Musical de Uberaba. Em manifesto
de página inteira, estampado nos diários “Correio Católico” e “Lavoura e
Comércio”, Alda e Alberto expressaram indignação e inconformismo. Deixaram
cravado, para a história, em soberbo pronunciamento, o seu protesto. Um exemplo
isolado e raro de coragem cívica, extremamente valorizado do ponto de vista da
cidadania, por haver brotado de pessoas do povo não envolvidas em tempo algum
nas engrenagens sedutoras do poder político.
Anos
depois. A Polícia Militar de Minas prestava, numa bela cerimônia, tocante
homenagem à memória de eminente personagem de seus valorosos quadros, o coronel
Américo de Magalhães Goes. Um humanista dotado de invejável bagagem cultural.
Desfrutei, na adolescência, por curto espaço de tempo, de sua convivência e
sabedoria. O agradecimento pela carinhosa manifestação de apreço, nos instantes
finais da cerimônia, ficou a cargo da viúva, a também saudosa Anita Rosa de
Magalhães Goes. Num discurso memorável, repassado de emoção, acompanhado com
atenção e respeito por centenas de convidados, autoridades civis e militares
graduadas, em ambiente onde se podia ouvir o zumbido de inseto, ela falou,
inicialmente, de sua gratidão. Para revelar depois, em tom de veemente lamento,
expressando revolta, que naquele preciso momento um grande amigo seu, Juscelino
Kubitschek de Oliveira, encontrava-se injustamente preso, depois de haver sido
injustamente cassado. Mesmo os que conheciam e admiravam Anita pelos seus
extraordinários dons humanísticos, autoridade moral e engajamento em causas
nobres na defesa dos direitos das pessoas, ficaram surpreendidos e eletrizados
com esse gesto de notável destemor.
Estou
contando essas historietas, primeiramente, para realçar posturas pessoais
dignas de louvor, como contribuição à memória cívica. E, segundamente, para
dizer, com certa pontinha de orgulho na fala, que essas mulheres são, ambas as
duas, modéstia à parte, primas deste desajeitadíssimo escrevinhador.
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