Esse
saboroso modo de falar dos “portugas” (I)
Cesar Vanucci
“Que diacho de língua é essa?”
(Indagação do adolescente
Alderico
ao pai Abel, numa viagem a
Portugal)
Já no primeiro dia da viagem, em companhia do pai Abel, às encantadoras plagas portuguesas, o irrequieto adolescente Alderico já se manifestou intrigado com o palavreado das pessoas à sua volta. “Hein, pai - que diacho de língua é essa que eu entendo, mas não compreendo patavina?”
A chistosa observação traz à lembrança um fato bastante curioso. Na “Guerra do Golfo”, em 1990, estúpida aventura belicista de Bush Filho dos EUA, e Tony Blair, do Reino Unido, ficou evidenciado que a melhor cobertura jornalística dos acontecimentos estava sendo feita pela Rede de Televisão Portuguesa. Jornalismo de primeira, proposta avançada e isenta de parcialidade nos relatos. Acabei, de repente como atento telespectador por confrontar insuspeitada dificuldade.
Foram se avolumando os momentos em que não compreendia bulhufas do que os gajos estavam a dizer. As informações com toque telegráfico dos letreiros na telinha ajudavam o entendimento só de parte dos casos, sem desfazer, entretanto, aquela sensação desconfortável de se estar a ver e, sobretudo, a ouvir relatos incompletos. O jeito foi, então, recorrer, por interessante que pareça, alternadamente, ao noticiário, por vezes de mais fácil compreensão, da CNN. Em espanhol. Esse idioma que alguém, liricamente, reconhece como "o português com castanholas”.
As considerações alinhadas me reconduzem à leitura do livro “É Golo, Pá”, dos irmãos Bogo, lançado anos atrás. Esta publicação já define sutilmente de cara, já na capa, o intuito dos autores, ao registrar que se trata de uma “edição bilíngue Português-Português”. Uma referência a mais, bem-humorada, daquilo que todos os que se entregam à lida da comunicação andam calvos de saber: existem diferenças frisantes, a cada dia mais perceptíveis, entre o português falado e escrito nestas nossas bandas do sul do Equador e o português falado e escrito nas bandas de lá. Ou seja, em Portugal, o nosso avozinho na referência carinhosa de David Nasser. Nada de molde a causar espanto nessa comprovação. É assim mesmo. As transformações linguísticas se operam com razoável velocidade seguindo as tendências dos tempos e dos lugares. Imaginemos como seria se nossa fonte matricial idiomática se mantivesse pura e intangível. Estaríamos ouvindo hoje em latim, certeiramente com o mesmo constrangimento com que ouvimos em brasileiro as exasperantes lereias dos porta-vozes das políticas econômicas. Já pensaram só como seriam as explicações no mesmo vocabulário de Cícero das razões pelas quais as taxações da selic não conseguiram ainda puxar pra baixo os juros que o lucrativo setor financeiro continua, impune e argentariamente, a cobrar dos desprotegidos contribuintes? O processo de construção linguística possui dinâmica própria, desprezando regras dogmáticas boladas com o fito de engessá-lo. Resulta daí que brasileiros e portugueses, tão próximos, entre outros apreciáveis valores humanos, por força de belo e luxuriante idioma, descobriram maneira diversificada, rica em variações, num sem número de situações especiais, para expressar suas emoções, seus sentimentos. No futebolês, um “dialeto” colorido, carregado de bordaduras imaginosas, isso não poderia deixar de estar também acontecendo. As urdiduras de linguagem concebidas por cá, nas descrições futebolísticas, são, à vista disso, as mesmas de lá. É disso que trata o livro dos Irmãos Bogo, uma obra recebida com extrema simpatia pelos intelectuais e mídia.
Se o
leitor aí se dispuser a conter um tiquinho mais a curiosidade, comprometo-me,
baseado é claro na narrativa dos autores, a contar que negócio cabuloso é esse
do futebolista luso Fábio haver “ficado nos balneários aquando do intervalo.”
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