Pedaços
soltos de saudade
Cesar Vanucci
“Não sei qual das duas quero mais: se a Uberaba dos
tempos de menino, se
a Uberaba de meus tempos outonais.”
(Quintiliano Jardim, jornalista)
Pedaços
soltos de saudade levados pelo vento do tempo. No comecinho da Rua Arthur Machado,
também conhecida por Rua do Comércio, logo na saída da Praça Rui Barbosa,
também denominado Largo da Matriz, ficava plantada a “Sorveteria Linde”, uma
referência marcante na paisagem cultural da cidade. A rua se encompridava por
mais de uma dezena de quarteirões até chegar na ladeira que dava na Estação Ferroviária
da Mogiana, envolta no encantamento imaginativo infantil como ponto de partida para
as aventuras da vida.
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Voltando à “Linde” como marco de cultura e entretenimento seja relembrado da
atração especial que, todas as noites, o estabelecimento oferecia à freguesia,
além de seus afamados sorvetes e picolés, música ao vivo da melhor supimpitude
executada pela orquestra do Maestro Bueno e seu violino, com o Aresky marcando cadência
eletrizante na bateria. De Sorveteria com orquestra, nunca soube da existência
de outra. A orquestra do maestro Bueno
atuava, também, no “Cassino Brasil”, ponto de convergência da boemia,
localizado no centro da cidade, na rua São Miguel. A região era conhecida dos
antigos pela denominação bacolerê.
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A cidade era repleta de locais musicais dançantes. Nos principais clubes Jóquei,
Uberaba Tênis, Sírio Libanês, Associação Esportiva e Cultural, Sindicato
(Elite), haviam encontros dançantes semanais, bastante concorridos. As sessões cinematográficas
dominicais das dez horas da manhã, no majestoso Cine Metrópole, eram
antecedidas de dança. Nas sedes da UEU - União Estudantil Uberabense, DALO (Diretório
Acadêmico Leopoldino de Oliveira, da Faculdade de Direito do Triângulo Mineiro),
CAMPI (Centro Acadêmico Mário Palmério, da Faculdade de Odontologia do Triângulo
Mineiro) quase todo sábado tinha baile. Cultivava-se o hábito de reservar, nos
clubes durante as demonstrações dançantes, o espaço especial para que “bailarinos
exímios”, garbosos mancebos e donzelas, exibissem seus dons, o que acontecia em
meio a coreografias que mobilizavam torcida e arrancavam aplausos. Os
“competidores” eram sempre os mesmos, já devidamente identificados pela plateia
como “craques” na arte da dança. Uns cinco pares se tanto. Acodem-me nomes: Clemenceau
Miziara, Gleydes Costa, Haley Damião, Arminda Tibery, Zito Sabino, Lucia
Fonseca, Bilula Pagliaro, Estela Terra. Dava gosto vê-los em ação. A “hora do tango” era a mais aguardada.
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“Chão de Estrelas” era o carro-chefe do repertório do pessoal das serestas em
finais de semana de noites estreladas. A belíssima canção de Orestes Barbosa e
Silvio Caldas (“Tu pisavas nos astros, distraída”, no ver abalizado de Manuel
Bandeira, é verso considerado de irretocável pujança poética) era interpretada
no capricho por um senhor time de cantores. Ei-los: Mano Augusto Cesar que se
tornou mais tarde, diretor da linha de shows da Globo, sendo o primeiro artista
brasileiro laureado com o “Emmy”, maior prêmio mundial da televisão; Paulo Marquez,
cantor das noites cariocas; Chiquito Pereira Alves; Mauricio Silva, o pedreiro
Zinho. A cantoria era na base da voz solta. De vez em quando acompanhada de um
plangente violão. O grupo percorria itinerários variáveis. Um deles levava ao
prédio onde funcionava o internato de alunas do Colégio Nossa Senhora das
Dores, das notáveis educadoras dominicanas. Houve um dia que, vinda do
dormitório uma voz feminina pediu fosse cantada a melodia “Estrela Dalva”. Ficou-se
sabendo que a autora do pedido era a freira guardiã. Certa feita, um delegado atrabiliário implicou
com as “serenatas ao luar”. Acabou “recolhendo a viola” quando alguém ponderou,
no jornal, que seu tempo seria melhor utilizado na busca dos responsáveis por uma
onda de assaltos residenciais até ali sem solução.
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