sábado, 11 de junho de 2022

 

Fundamentalismo hitlerista

 

Cesar Vanucci

 

“A nossa revolução é uma nova etapa, ou antes, a etapa

definitiva da evolução que conduz à supressão da história.”

(Adolf Hitler)

 

Volto a ocupar-me hoje, neste minifúndio (obrigado, Roberto Drummond, estupendo criador literário) de ideias despretensiosas, de um personagem tenebroso. O indivíduo responsável pelos mais hediondos crimes de lesa humanidade jamais praticados desde que o mundo se reconhece mundo. Uma faceta menos explorada da personalidade de Adolf Hitler revela-nos, instigantemente, o comprometimento visceral do líder nazista, desde os começos de sua trajetória política, com tresloucados conceitos e ações de cunho místico. É dali que emerge sua convicção pessoal insana compartilhada com devoção por fanáticos seguidores, do papel messiânico que a história humana lhe teria reservado. O “Fuhrer” se apresenta e é aceito pela sociedade alemã como o homem capaz de redimir a sua gente. Nas furibundas manifestações em que deixa entrevista sua paranoica exaltação mística, ele se coloca na condução de um movimento diferente, sem similar em época alguma, para que possa executar sua missão redentora. 

Num estudo em que assestam a claridade dos holofotes sobre as raízes da filosofia hitleriana, apropriadamente classificada de luciferina, os pensadores Jacques Bergier e Louis Pauwels mostram que a ambição e a “sagrada missão” de que o mesmo se crê investido ultrapassam infinitamente os domínios da política e do patriotismo. Dão a palavra a Hitler para uma melhor explicação dessa assertiva: “A ideia de nação – diz lá o “Fuhrer” – tive de me servir dela por razões de oportunidade, mas já sabia que ela não podia ter mais do que um valor provisório. Dia virá em que pouca coisa restará, mesmo aqui na Alemanha, daquilo que chamamos o nacionalismo. O que haverá no mundo será uma confraria universal dos mestres e dos senhores.” 

Fica evidenciado, como esclarecem lucidamente os pensadores mencionados, que a política representou para o autor de “Minha luta” apenas uma manifestação externa. Reduziu-se a aplicação prática e momentânea de uma cartilha de conceitos deformados, de tétrica inspiração esotérica, concernentes às leis da vida. A humanidade seria aquinhoada, dentro dessa linha de ideias mórbidas, um destino que os homens comuns não seriam nem de leve capazes de conceber, nem mesmo suportar. Só mesmo os homens superiores, os da “raça ariana pura”. Seres que ele, Hitler, procurava fervorosamente preservar da “contaminação com seres impuros”, de maneira a garantir supremacia dos “valores prodigiosos” contidos em sua perversa doutrina. 

Adolf Hitler – as evidências estridentes de seus posicionamentos doutrinários estão aí pra confirmar – foi um fundamentalista extremado. O mais radical de todos, na interpretação das leis espirituais que regem a conduta humana e dos fatos sociais que compõem nosso precioso e inalienável patrimônio humanístico. Tinha-se na conta de vidente portentoso. Valia-se de conceitos extraídos da pseudociência para expor alucinadas teorias. Contava com o fanatismo apocalíptico, de profetas como o austríaco Hans Horbiger, seu guru de cabeceira, e de companheiros tão insanos quanto o chefe, integrantes de sociedades herméticas engajadas na construção de um admirável mundo novo, composto de semideuses... 

Essa condição de fundamentalista desvairado, perceptível em seus modos de pensar, falar e agir, não pode deixar de ser cogitada nesta hora, sobretudo, quando se tem sob foco preocupante, nos círculos sinceramente devotados às práticas humanísticas e espirituais autênticas, onde a humanidade bebe inspirações para uma vida digna, a movimentação deletéria, em tantos lugares, de grupos radicais, fanáticos, extremados que fazem do fundamentalismo religioso ou político uma bandeira permanente de luta, carregada de ameaças e riscos explosivos.

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