PREVENIR-SE É O JEITO
“O homem é um animal que se adapta.”
(Walter Benevides, médico e escritor)
CESAR VANUCCI *
A capacidade de adaptação do ser humano ao meio em que atua faz parte de nossa peregrinação pela pátria terrena. Dependendo dos fatores em jogo, esse ajustamento ou outro nome que se queira dar ao esforço pessoal de cada qual em se inserir adequadamente no contexto da vida social, familiar ou profissional, acatando as regras e exigências dominantes, assume por vezes inusitadas características. Byron, num lapidar pensamento colhido pelo culto Paulo Rónai, pesquisador de mão cheia de achados verbais que ajudam a compor a sabedoria dos tempos, lembra que: “Os homens são joguete das circunstâncias, quando as circunstâncias parecem joguete dos homens.” O poeta inglês repete, com palavras bem parecidas, segundo o mesmo Rónai, a ideia expressa milênios antes por Heródoto, ao proclamar que: “São as circunstâncias que governam os homens, não os homens que governam as circunstâncias.” Os dois pensadores remetem a Ingenieros: “Cada homem é ele mais suas circunstâncias.”
Todo esse papo introdutório, calcado na erudita contemplação do jogo da vida de doutos personagens da história, chega a propósito de uma questão terra-a-terra, de doridos efeitos no cotidiano de todos. A crescente violência urbana, com suas inesperadas armadilhas, que ceifam vidas e produzem toda sorte de traumas, vem forçando a comunidade a usar amplamente as potencialidades de seu instinto de defesa. E, com isso, a criar constantemente dispositivos que possam proteger melhor as pessoas dos riscos que as rondam. Para enfrentar a turbulência solta nas ruas – que já teria, por sinal, sido contida, a nos louvarmos na derrama publicitária com a qual os governos, em frenética disputa com as “Casas Bahia”, ocupam os intervalos televisivos – motoristas e pedestres apelam para um sem-número de estratagemas. Mudam itinerários. Aplicam películas de escurecimento nos vidros dos veículos. Atravessam sinais interditos de trânsito nas horas tardias. Carregam consigo os instrumentos de som, quando estacionam. Substituem documentos de identidade por cópias. Escondem cartões de crédito na cueca, seguindo o edificante exemplo do assessor parlamentar carregado de dólares. Ocultam os celulares. Tudo, tudo, no afã de se adaptarem às circunstâncias perversas ditadas pela audácia da bandidagem armada. O jeito é prevenir-se. Um homem prevenido vale por dois. Não é o que diz o ditado?
Fiquei sabendo, inda outro dia, de criativos artifícios utilizados por moradores de residências da classe média. Apesar de aparelhadas com alarme e cerca elétrica, “visitadas” em momentos de ausência fortuita dos moradores. No jardim de uma delas, afixou-se placa com ilustração caprichada mostrando dois apavorantes répteis, mais os seguintes dizeres: “Cuidado, jararacas adestradas”. E mais embaixo: “Usem o interfone, para que os bichos possam ser recolhidos.” O manhoso alerta tem dado certo. Até mesmo os valorosos carteiros adotam hoje, pelo sim pelo não, posição de cautela quando nas imediações. Um vizinho andou implicando com a coisa e mandou chamar a Polícia Florestal. Mas tudo acabou bem, depois das explicações.
No jardim de outra residência, pode ser visto painel de grandes dimensões, ao lado de uma réplica de caveira encimada por um protótipo de vela, sempre iluminada, contendo estes dizeres: “Atenção. Perigo! Não ultrapasse. Vodu na linha do Haiti.”
Dizem que, tirante uns tantos olhares de esguelha de desconfiados vizinhos pertencentes a seitas religiosas ortodoxas, que evitam transitar pelo passeio da casa, a família vem conseguindo manter distanciados “intrusos” de diferentes naipes.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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