Nos tempos do
“voto de marmita”
*Cesar Vanucci
“As fraudes eram uma constante.” (Estudo do TSE)
A dinâmica do processo eleitoral na vida
democrática contempla a possibilidade de seu constante aperfeiçoamento. O atual
sistema de votação e apuração de votos implantado no Brasil, reconhecido mundialmente
como modelar, representa amostra frisante dessa benfazeja escala de aprimoramento.
O esquema anteriormente vigorante, da chamada
“marmita” com cédulas que continham os nomes dos candidatos, produziu situações
fraudulentas inumeráveis, apesar da fiscalização da Justiça Eleitoral e agremiações
partidárias. Em várias circunscrições eleitorais, com conluio de muita gente não
era incomum uma quantidade expressiva de votos brancos e nulos serem computados
proporcionalmente à votação realmente auferida por candidatos, de modo a
favorecer sua ascensão ao cargo pretendido. Nos chamados “currais
coronelísticos”, envelopes com cédulas eram entregues a “cordatos eleitores”,
conduzidos aos postos de votação sob implacável vigilância de cabos eleitorais.
Os “votantes”, em não poucas oportunidades não sabiam se quer em quem estavam
“votando”. Essa situação anômala do chamado “voto de cabresto” deu origem a
muitas historietas que entraram para o folclore político. Uma delas: perguntado
sobre o candidato em que votou, um desses “dóceis eleitores” respondeu “não
saber o nome do gajo, já que o voto é secreto, uai!”...
O TSE rememora passagens sugestivas desses
tempos. Até 1996, quando o voto eletrônico
passou a ser gradualmente implementado, as suspeitas de fraude eram componente
de tensão a mais num dia de eleição, que naturalmente já guardava emoção avolumada.
No período em questão, não havia
apuração de imediato. Os resultados não eram divulgados no mesmo dia , como agora
ocorre. A contagem cédulas espichava-se
por até semanas. Essa circunstancia fazia crescer o azedume dos ânimos entre
escrutinadores e fiscais dos partidos. Em clima assim, as alegações de fraude
eram constantes. Durante a apuração a cada cédula mal preenchida, qualquer
dúvida que houvesse sobre a real intenção do eleitor – ao marcar com um “x” o
quadrado do candidato ou ao escrever o nome ou o número do escolhido –
armava-se uma discussão entre os fiscais dos partidos e os escrutinadores que
podia tomar um bocado de tempo. E, não raro, essa discussão resultava na
anulação de votos e, por vezes, da urna inteira.
As denominadas “urnas
grávidas” já traziam votos antes mesmo de abrir as sessões pras votações. Como
não dava para separar os fraudulentos dos autênticos, todos os votos da
seção eleitoral acabavam sendo impugnados – isso quando o trambique era
descoberto. Urnas com mais votos do que eleitores inscritos na respectiva seção
eram algo corriqueiro. As razões para isso eram muitas, começando pelas falhas
no cadastro eleitoral, em que a mesma pessoa podia ter vários títulos. E, no
tempo em que o cadastro eleitoral não era unificado, havia ainda os
“eleitores-fósforo”, que ganhavam esse nome porque “riscavam” (votavam) em
várias seções na mesma eleição. Quem saía perdendo era a vontade soberana dos
eleitores.
Outro tipo de tramoia ficou conhecido por “mapismo”.
Consistia no seguinte: o placar dos votos apurados ia sendo registrado conforme
a conveniência do escrutinador. Com as urnas abertas e os votos já contados,
era difícil descobrir de onde era o voto e para quem havia sido dado. Essa manobra solerte forçava fatigante recontagem
– atrasando ainda mais o resultado final.
Pelos poucos exemplos enunciados, tem-se uma visão do
extraordinário avanço que o sistema da urna eletrônica, tão virulentamente
combatido pelo negacionismo fundamentalista, representa na história de nossa evolução política e
democrática.
Jornalista(cantonius1@yahoo.com.br)
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