domingo, 9 de outubro de 2022

Semântica das urnas

  Semântica das urnas

                                             Cesar Vanucci *

        “Descubra como separar o joio do trigo – ou entender o que é  verdade e o que é só interesse no calor da temporada eleitoral.”                       (Nirlando Beirão)

 

O jornalista Nirlando Beirão, de saudosa memória, reconhecido no período em que atuou como  titular absoluto no escrete do jornalismo de qualidade comprometido com o sentimento nacional, era dotado de inteligência arguta e a verve faiscante. Deixou isso esplendidamente evidenciado num saboroso texto publicado, anos atrás, na revista “CartaCapital”. Intitulado “Dicionário Eleitoral (para ingênuos)”, o trabalho fornece dicas que ajudam a decifrar a semântica das urnas, ou, conforme frisa, “entender o que é verdade e o que é só interesse no calor das temporadas eleitorais”.

 Abaixo, de forma adaptada e resumida por este desajeitado escriba, alguns “verbetes” do divertido “dicionário”. 1)Alternância de Poder – só é essencial à democracia quando o nosso adversário está no poder. 2) Aparelhamento do Estado – os adversários nomeiam apaniguados. Nós, os melhores quadros técnicos. 3) Corrupção. Os outros a praticam de forma perene. Nossos aliados cometem apenas pequenos deslizes. 4) Visão de Deus. Todos os candidatos dizem ter fé. Os mais fervorosos são aqueles que não acreditam. 5) Delação premiada. Ela só tem valor se vazada para atingir o concorrente. Se no meio do lamaçal, surgir o nome de um aliado, o correto é dizer que as denúncias são açodadas e precisam ser apuradas a fundo, doa a quem doer. Quanto ao fato de o vazamento da delação premiada constituir também crime (...), bem esqueça.” Cenário internacional. Se uma administração aliada vai mal, a culpa é do cenário externo. Inverte-se a lógica no caso dos adversários. Se a gestão inimiga vai bem, as condições internacionais a favoreceram. 7) Marquetagem. Se o adversário sobe nas pesquisas isso se deve a ação mistificadora dos marqueteiros. Sem essa de lembrar que o nosso candidato igualmente possui um exército de especialistas em marquetagem. 8) Ano eleitoral. As ações do adversário não passam de medidas eleitoreiras. As nossas ações são decisões de governante seriamente comprometido com suas funções. 9) Velha política. Só os adversários a praticam. 10) Coligações. Promovidas por nós, deixam estampada aguda sensibilidade política, negociação de fino trato. Promovida pelos outros, denotam falta de escrúpulos, atroz barganha de princípios por conveniências.

 Este desajeitado escriba não resiste à tentação, após a leitura do “Dicionário” de Nirlando Beirão, de juntar ao texto outra sugestiva definição sobre política. O autor é Pierre Augustin Caron de Beaumarchais considerado por biógrafos figura emblemática do “Século das Luzes” (XVIII), foi, aliás, muito mais que um brilhante dramaturgo. Escritor, músico, poeta, instrumentista, professor, inventor, homem de negócios que amealhou fortuna, exerceu também, vivenciando ascensão social fulminante, a carreira diplomática. Aqui a definição:

 “... fingir ignorar o que se sabe e saber o que se ignora; entender o que não se compreende e não escutar o que se ouve; sobretudo, poder acima de suas forças; ter frequentemente como grande segredo ou esconder que não se tem segredos”; (...) “parecer profundo quando se é apenas, como se diz, oco e vazio; desempenhar bem ou mal um papel”; (...) “procurar enobrecer a pobreza dos meios pela importância dos objetivos: eis toda a política (...)”.

 E como arremate, vem agora mais esta intrigante observação sobre o comportamento político, muito em voga no passado, nas hostes da militância partidária coronelística: “aliado meu não tem defeito. Adversário, se não tem, eu boto...”.  

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)

 

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