Cesar Vanucci *
Interrompemos a narrativa sobre o comício de JK em
Uberaba, anotando a extraordinária repercussão alcançada pela sua fala
eletrizante, culta, rica em vibração democrática. No Largo da Matriz, cada qual na multidão se
sentia mais gente, mais capaz e confiante. Então, o Brasil era ou podia ser
tudo aquilo e a gente, bestamente, não sabia nadica de nada a respeito?
Instante de pura magia. Ressalte-se que aquele clima de saudável e benfazejo
entusiasmo acabaria, adiante, por envolver o Brasil do Oiapoque ao Chuí. O
magnetismo do orador traçava impecável itinerário de trabalho, encharcado de
humanismo e poderoso aceno social. E o toque lírico da palavra convincente! As
tais borboletas que ele sabia como ninguém introduzir nos textos de conteúdo
mais áspero. Corações e mentes iam sendo conquistados para a causa do
redescobrimento do Brasil.
O momento
culminante da concentração política em Uberaba ocorreu por conta de um incrível
lance retórico, acolhido em atmosfera de delírio, própria de conquista de Copa
do Mundo. Tantos anos passados, as palavras acodem-me ainda com exatidão. Assim
falou JK. Abre aspas. “Ao sobrevoar hoje esta maravilhosa cidade, lembrei-me de
Chicago.” Fecha aspas.
O comício
acabou ali. Não deu pra segurar. Uma meia dúzia de uns três ou quatro mais
ousados escalou pela frente o palanque, balançando-lhe a estrutura. Juscelino
refez-se da surpresa inicial e caiu na gargalhada ao ser arrancado pra fora e
carregado em triunfo diante do aturdimento dos companheiros. A cidade viveu
carnaval temporão, tão ou mais animado do que o convencional.
Exagero
retórico (e bota exagero nisso) à parte, o que acabou ficando mesmo guardado na
memória e no coração das pessoas, não evidentemente por causa da frase de
efeito, mas por conta do contexto otimista do pronunciamento, é que estava
despontando, no espaço político, um cidadão com papo novo sobre a realidade
brasileira. Um homem que acreditava de verdade (e passava essa crença adiante)
nas potencialidades de seu país e nas virtualidades de seu povo. Um político
que não embarcava na cantilena derrotista de tantos outros que se acostumaram a
enxergar os defeitos brasileiros com descomunais lentes de aumento e a denotar
arrepiante conformismo com a ideia errônea, disseminada em muitos setores, de
que o cidadão aqui nascido, antes de tudo, é um fraco. Um tipo apático,
condenado inexoravelmente a destino desprovido de grandeza, à submissão eterna,
sem perdão, a decisões de gente mais sábia, viventes de fala arrevesada
d’além-mar.
JK
representava um sopro nacionalista renovador. Vinha mostrar a existência, sim,
de uma luz no final do túnel. Como aconteceu em Uberaba e se repetiu em
milhares de outros comícios, Brasil afora, transmitia a todos a inabalável
certeza de que a obscuridade nos caminhos - passageira, circunstancial - era
fruto de uma visão retrógrada do mundo e das pessoas. E não resultado de
adversidades fatalísticas inapeláveis. O criador de Brasília proclamava, com
convicção, ser preciso passar do discurso para a ação. Convidava os
bem-intencionados a abandonarem o excesso academicista que costuma condenar as
propostas sociais a um imobilismo teórico. Pedia às lideranças que deixassem de
lado fórmulas estereotipadas, chavões inócuos, com que se procurava retratar,
comumente, em tantos lugares, a realidade nacional, e arregaçassem as mangas de
verdade, botando pra fazer. Todo mundo era chamado, na convocação daquele líder
de irradiante simpatia, a ajudar a fazer o futuro com engenho e com trabalho.
Muito trabalho.
Em suma, os
brasileiros se deram conta, de repente, que o cenário morno, acomodado, estava
sendo revolvido por pregação revolucionária, cristalinamente democrática,
inspirada em vibrantes propósitos de promoção social.
Mais JK pela frente.
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