Cesar Vanucci*
“Natal, poema de nazarena suavidade ./ Instante predestinado com timbre
de eternidade./ Festa do amor total!” (versos do poema “Amor total”, de Cantonius)
Acho uma baita falta de consideração e muito pouco
ético esse negócio das pessoas desencarnarem no Natal ou nas imediações do
Natal. Falar verdade, a observação se aplica também a outros instantes de
sublimação coletiva, como, por exemplo, vitória na Copa do Mundo. Horas assim
não se aprestam a adeuses doloridos, nem separações bruscas. Natal é celebração
de vida e não momento de partida. Suas evocações simbólicas falam
alvissareiramente de chegada e de permanência. Dependesse de minha vontade, o
governo editaria medida provisória proibindo, em caráter irrevogável, que as
pessoas morressem nesse dia. As lideranças partidárias no Congresso seriam
convocadas para aprovar a peremptória decisão com a mesma ligeireza com que, no
apagar das luzes da temporada parlamentar, costumam votar indecorosas vantagens
pecuniárias.
Esse meu inconformismo com o
"encantamento" que acomete alguns no período de comemoração natalina
está associado à lembrança de um Natal
da meninice. Um episódio que deixou marca nas ladeiras da memória. Preparávamo-nos,
todos, na mais santa alegria, para os festejos. Os semblantes eram dominados
pela idéia da trégua, do repouso, da confraternização em seu significado mais
puro e autêntico. O aspecto mercantil do evento não havia atingido ainda
patamar que permitisse essas ousadas e modernosas tentativas de se substituir,
como símbolo natalino, a meiga figura nazarena da manjedoura pelo peru da
sadia. De repente, o impacto de uma
ocorrência brutal. Vieram nos contar que um garotinho da vizinhança,
companheiro de inocentes estripulias, havia perdido a vida numa enchente de
córrego provocada por chuva forte. Sentimos, todos, uma dificuldade grande para
absorver aquele aparente triunfo da morte sobre a vida, justamente num momento
de celebração da vida
De outro Natal da infância já trago
lembrança doce e terna. Meus pais, Antonio e Antonia, me levaram pelo braço pra
ver as prateleiras apinhadas de brinquedos da Livraria São Bento, na rua do
Comércio, Uberaba. Pelo que entendi, o
local era uma espécie de entreposto usado por Papai Noel para guardar os
presentes que iria enfiar chaminé abaixo nas casas dos meninos de bom
comportamento. Deixei minha cartinha, com pedido, nas mãos de da. Sinhá Brasil,
gerente do estabelecimento. Em casa, antes do sono chegar, as mãos postas e a
alma feliz, renovei na oração que mamãe ensinou o pedido ao velhinho do trenó.
Na manhã seguinte, ao lado da cama avistei o pequeno bilhar que desejava
receber como presente. O mano Augusto Cesar jurava haver testemunhado a chegada
de Papai Noel no quarto, de madrugada,
pé ante pé, para fazer a entrega dos
presentes encomendados. As reverberações mágicas daquele precioso instante
estão presentes em todas as celebrações natalinas deste amigo de vocês. Que se
vale do grato ensejo para desejar-lhes um Feliz Natal e um próspero Ano Novo.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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