*Cesar Vanucci
“Nalguns países, meninas
e mulheres são riscadas da vida pública” (Antonio Guterres, Secretário Geral da
ONU.)
Aciono
o videocassete da memória na tentativa de recompor emblemática cena dos anos
50. Naqueles tempos, os primeiros fuscas estavam sendo postos a circular nas
ruas e estradas brasileiras, atiçando bastante a curiosidade popular. Mas, a
aglomeração à volta do veículo, estacionado diante do palacete na praça central
da cidade, derivava de outra circunstância, também singular. Graciosa jovem,
envergando traje incomum para o chamado “sexo frágil” – calça comprida, blusa
solta, bota unissex -, divertindo-se à pamparra com o alvoroço provocado,
assumiu o volante manobrando o carro no sentido de circundar o logradouro,
arrastando de um lado para o outro a multidão. Era a primeira vez que muitos estavam
vendo naquelas bandas uma mulher motorista. A imagem restou como lembrança de um
momento hilário totalmente ultrapassado.
Dá causa a dilacerante impacto saber que, mais
de meio século transcorrido a mulher, em dezenas de países, nos vários
continentes, é impedida de repetir o gesto banal da moça dos anos 50, por conta
de dogmatismo religioso de repulsiva concepção machista. Apontada como uma
blasfêmia herética em hostes fundamentalistas, dirigir carro é apenas uma entre
centenas de proibições rígidas, descabidas, instituídas com o fito de
subjugação da mulher a ditames morais anacrônicos, anteriores até mesmo ao
período de obscurantismo medieval. Isso explica a razão pela qual, ao
referir-se ao dramático problema da opressão feminina detectada em diferentes
plagas do planeta, o Secretário Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres haja enfatizado
que em vários lugares as meninas e mulheres, são na verdade, praticamente riscadas
da vida pública.
Nesses
rincões adversos às mulheres, onde seus direitos são massacrados as pessoas do
sexo feminino não podem sair desacompanhadas, não podem frequentar escolas, academias,
parques públicos, são impedidas de trabalhar fora, não podem escolher pares e
companheiros, só viajam na companhia de país, maridos e irmãos. São forçadas a
usar véus e roupagens exóticas que as “protejam” de olhares indiscretos. São
submetidas a um regime de clausura, análogo não poucas vezes ao de “escrava’”.
Correm riscos de serem chicoteada publicamente pelos “guardiões da moral e
costumes”. A regra sobre vestimenta aplica-se também as visitantes, sendo de
molde, por conseguinte a criar transtornos a alguma incauta turista.
O que acontece na Arábia Saudita, Irã,
Paquistão, Afeganistão representa amostra do tratamento mais abjeto em um
punhado de países de orientação religiosa ortodoxa dispensada às mulheres.
Ainda agora nas ruas de Teerã e outras
cidades no país comandado de forma despótica pelos aiatolás registram choques entre
policiais e manifestantes devido ao inconformismo de parcela da comunidade
iraniana contra o excesso de arbitrariedades praticadas envolvendo as mulheres.
Por causa do “uso incorreto” do véu, Mahsa Amini, 22
anos foi detida e morta pela
polícia de costumes em setembro do ano passado. O caso foi estopim dos
movimentos de protestos que se espalharam pelo país e provocaram repressão
violenta, com prisões, feridos, mortos e intensa comoção internacional.
A palpitante questão dos direitos femininos pode
ser avaliada por múltiplos aspectos. Forçoso reconhecer que são inúmeras as
conquistas a serem celebradas. De outra parte, não são poucas as situações
clamorosas a serem removidas. Numerosos são também os pontos relevantes a considerar
em matéria de alterações viáveis quanto a normas e regras estatuídas por
instituições tradicionais. A abertura de um debate em torno da ordenação Sacerdotal
feminina, por exemplo, estimularia em muito o processo do emparelhamento tão
almejado dos direitos da mulher e do homem.
Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)
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