A celebração, 25 de maio, do “Dia da
Indústria”, dentro da costumeira atmosfera de pompa e brilho que a Federação
das Indústrias de MG empresta ao evento, recordou-me episódio de grande sabor
histórico vivido numa dessas comemorações, há 47 anos. À falta de divulgação
adequada, por culpa da rígida censura vigente na época, o caso acabou não ganhando
a notoriedade a que fez jus, permanecendo na obscuridade de esquecimento quase
total. Os registros disponíveis acerca do papel desempenhado pelas lideranças
empresariais na redemocratização do país praticamente o ignoraram.
Desconheceu-se da ocorrência o seu caráter precursor, o seu altivo e
prenunciador apelo liberal.
Maio de 1976. Era a primeira vez, na história
da festividade, que além do “Mérito Industrial”, atribuído a pioneiros, se iria
conferir o título de “Industrial do Ano”. A escolha recaiu em Hélio Pentagna
Guimarães, dirigente do poderoso grupo Magnesita, reconhecido como cidadão
dotado de todos aqueles dons vocacionais que compõem o perfil do grande
empresário: arrojo, dinamismo, força criativa, vigor, sensibilidade social.
Dons acrescidos de sólida formação liberal, concepção profissional avançada,
inteligência aguda e rica experiência de
mundo, identificando familiaridade na teoria e na prática com as modernas
correntes do pensamento humanístico. Pentagna, de saudosa memória, foi um símbolo
dos valores enaltecidos na manifestação.
Fábio Motta, saudoso dirigente da Fiemg,
tinha Pentagna na conta de dileto companheiro. Mencionava sempre as posições
firmes por ele assumidas na lida classista e empresarial, detendo-se,
particularmente, na postura que teve nos idos de 60, quando se opôs com
veemência à tentativa de um grupo interessado em intervir nos destinos da
entidade.
Mas, eis que chegamos ao auditório do
edifício “Louis Ensh”, antiga “Casa da Indústria”, para festejar o “dia da
indústria” de 1976. Mundo oficial e empresarial condignamente representados.
Uma multidão de convidados se acotovelando nos insuficientes espaços do
auditório, saguão e jardins. A grande maioria acompanhando o desdobramento da
cerimônia pelo sistema de som.
Chega a hora do agradecimento. O que se passa
a ouvir vai entrar para a antologia política. Deixados pra traz os trechos
introdutórios, o orador mergulha resoluto, consciente, na parte conceitual –
uma baita de uma mensagem política, reveladora de que a democracia, antes de
tudo, é um estado de espírito. A mensagem é recebida por um público eletrizado,
dividido entre a ansiedade e a surpresa. No recinto baixa um silêncio de
cemitério etrusco. Desfaz-se, como que por encanto, o burburinho característico
dos atos de grande afluência, originário da impaciência de convidados que mal
conseguem se aguentar de pé nos exíguos territórios em que alojam seu
desconforto. De muitas pessoas percebe-se uma toada ofegante na respiração.
Enquanto isso, com o domínio da cena, a fala
do homenageado se converte numa análise lúcida da realidade política, econômica
e social, voltada para clara e inequívoca concitação: seja promovida logo a
reabertura política sonhada por tanta gente. Pela vez primeira, em anos, em
acontecimento público concorrido, empresário renomado defende ardorosamente a
democracia, associando-a, como parceira indispensável, à luta pelo
desenvolvimento. Discurso concluído, as palmas surgem, de início, tímidas,
descompassadas, lembrando motor de carro ativado, mas não liberado ainda de
todo para o arranque. Já depois, noutra cadência, impetuosas, desmancham-se em
borbulhante aplauso. A festa da indústria registrou, naquela noite memorável,
com toque épico, uma vigorosa proclamação de fé democrática e de crença nos
destinos do Brasil.
Isso se deu meses antes do célebre protocolo
firmado por um grupo de industriais paulistas, apontado ao equívoco das
anotações coletadas pela história, como a primeira manifestação do empresariado
em favor das liberdades públicas.
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