“ Sou negro.negro como a noite, negro como as
profundezas d’África”, (Versos célebres do poeta Langston Hughes)
Antes,
3 anos atrás, da posição assumida por Vinícius Jr. contra o racismo no futebol,
os atletas de uma peleja realizada em Paris reagiram de forma inédita a uma
manifestação preconceituosa da arbitragem. Relembremos o episódio.
Conforme manjado jargão da crônica
futebolística, o antirracismo adentrou a cancha. Em grande estilo. Soberbo espetáculo
de afirmação civilizatória aconteceu no majestoso estádio parisiense “Parque dos Príncipes”, com arquibancadas
vazias como pedia a turbulência pandêmica, quando da disputa
entre o PSG, francês, e o Istanbul Basaksehir, equipe turca, pela última rodada
da fase de grupos da Liga Europeia dos Campeões. No comecinho do jogo, 13
minutos do primeiro tempo, um árbitro de linha, romeno, alvejou com expressão
desairosa, de notório conteúdo preconceituoso, um atleta africano que, por
sinal, não participava da partida. No quiproquó que se seguiu o cartão vermelho
de expulsão foi sacado do bolso do árbitro principal, mas o prélio foi
interrompido por conta de um episódio jamais registrado nos anais do esporte
das multidões. Os jogadores dos dois times tomaram, conjuntamente,
unanimemente, a incrível decisão de abandonarem, disciplinadamente, o gramado,
em sinal de protesto contra o ato de discriminação praticado. A atitude sem
precedentes assumida num palco esportivo colocou obviamente em xeque o
regulamento do torneio, deixando a cartolagem aturdida e o público (que
acompanhava a competição pela tevê) maravilhado. Menos de 24 horas
transcorridas da inusitada ocorrência, com a composição da arbitragem alterada,
normas e regimentos burocráticos chutados pra escanteio, a partida interrompida
teve continuidade. A punição aplicada na véspera – cartão vermelho – passou a
não valer. O placar avantajado, 5 a 1 em favor do time francês, foi considerado
detalhe de somenos na flamejante história, diante da memorável goleada, de impactante
simbolismo, aplicada contra o racismo numa das canchas da vida em que ele
costuma mostrar a cara.
A situação vivida no “Parque dos Príncipes”
concitou-nos a percorrer as ladeiras da memória, recolhendo na caminhada
exemplos frisantes, de duradoura repercussão, afrontosos à dignidade humana,
cometidos em ambientes esportivos pomposos.
Talvez o mais contundente desses registros
haja sido o da Olimpíada de Berlim, realizada pouco antes da segunda guerra
mundial. O protagonismo infame ficou a cargo do sinistro Adolf Hitler, ícone
das falanges racistas em sua configuração mais horrenda. Num dado momento,
espumando ódio, ele resolveu deixar, abrupta e acintosamente, a tribuna do
estádio para não ter que entregar troféu a um magnífico atleta estadunidense –
“negro como a noite, negro como as profundezas d’África”, segundo os versos
célebres do poeta Langston Hughes -, que acabara de conquistar, galhardamente,
a mais cobiçada láurea dos jogos. Mas, na ocasião, nada obstante a ressonância
midiática alcançada pelo boçal gesto, a ninguém, a nenhuma delegação, acudiu a
ideia de marcar indignação, inconformismo face ao abjeto posicionamento racista
cometido pelo ditador nazista, com ato de desagravo coletivo instantâneo, tal
como o este de Paris, ocorrido, como já dito, em 2020.
Naquele e noutros momentos em que a
brutalidade racista se fez sentir num cenário festivo repleto de esfuziantes
emoções, como costumam ser os cenários compostos para grandes concentrações
esportivas, nada se viu, como reação dos atletas e público, que ligeiramente
pudesse se igualar ao que os jogadores turcos e franceses, promoveram na
noitada futebolística reportada. Uma
noitada inesquecível, na qual futebol, com toda sua eletrizante carga emotiva,
cedeu lugar, contentando-se a segundo plano na ribalta, a uma atração que não
estava no programa, a uma manifestação histórica que engrandece a consciência
humana.
Jornalista(cantonius1@yahoo.com)
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