Cesar Vanucci *
"Brasil, tira as flechas do peito de meu padroeiro que São Sebastião do Rio de Janeiro pode ainda se salvar."(Aldir Blanc, em “Saudades da Guanabara”)
Publicado há mais de 10
anos, este comentário conserva-se doridamente atual.
O que diferentes administrações de notória ineficiência, mafiosos
e bandoleiros de diversificados matizes, policiais despreparados ou corruptos e
políticos inescrupulosos ou desprovidos de espírito público andam aprontando,
não é de hoje, com a mui leal e heróica São Sebastião do Rio de Janeiro, só
pode ser mesmo classificado de crime de lesa-pátria. Sou de um tempo e pertenço
a uma geração que aprendeu a cultuar o Rio como o segundo rincão natal de cada
brasileiro. Mesmo daqueles patrícios que só o conheciam à distância. Melhor
dizendo, daqueles compatriotas que se extasiavam com a soberba composição entre
a Natureza e o engenho humano refletida na cidade, sem nunca ter tido a chance
de contemplar de perto as belezas sem par, da cidade de encantos mil, cidade
maravilhosa, coração do Brasil, cantada na imortal melodia de André Filho.
Comprovo
em depoimentos anotados por Paulo Rónai, que a magia do Rio é de tempos imemoriais, de
abrangência universal. Vejam só o que a visão estonteante da paisagem arrancou
de Bocage: "Pus, finalmente, os pés onde murmura / o plácido janeiro, em
cuja areia / Jazia entre delícias ternura." Apolinário Porto Alegre, nas
"Brasilianas", não faz por menos: "Vi dez sólios; oitenta e seis
cidades / Vi as do engenho humano maravilhosas / Pelas artes criadas em mil
anos / Mas meus olhos não viram quem te iguale / Divina Guanabara, em teus
encantos.”
Com certeira certeza,
emoção parecida arrastou Paul Claudel a dizer que "o Rio é a única grande
cidade que não conseguiu expulsar a natureza.". Ou Genolino Amado a
proclamar, deslumbrado, que os panoramas cariocas, inundando o coração da
gente, fornecem a sensação do mundo em festa. Ou ainda Carlos Lacerda a
garantir ser o Rio uma admirável síntese brasileira, cidade onde existe a idéia
de que a amizade é força essencial à vida, arrematando assim a definição de um
Rio presente na saudade e na veneração dos brasileiros: "O que no Rio por
dinheiro nenhum se consegue, com uma boa palavra se alcança. Ou um palavrão,
dito com ternura.”.
Esse
Rio lindíssimo, terno, de imagens que comportam tantas grandezas, de abrasador
calor humano, sinopse vibrante do sentimento nacional, parece não existir mais.
Parece estar sucumbindo diante das flechadas letais disparadas pela violência e
insensatez desabridas, estimuladas pelo despreparo e falta de criatividade
governamentais no enfrentamento da bandidagem e corrupção.
No passado, tomava-se
conhecimento com sintomática freqüência de casos de conhecidos que se ligavam
pela vida afora, movidos por contagiante entusiasmo, ao sonho dourado de
terminar seus dias, à hora merecida da aposentadoria, na assim denominada
cidade-maravilhosa. Que diferença de hoje, santo padroeiro! Que diferença destes tempos ignominiosos das
quadrilhas de traficantes; das milícias corruptas de policiais; de unidades
pacificadoras, nem sempre lamentavelmente “pacificadoras”; das balas
extraviadas, das rajadas luminosas mortíferas que enchem de pavor ruas,
residências, estradas, bairros inteiros e que inspiram nas pessoas, ao reverso,
a ânsia de sair à cata de outros refúgios para terminar os dias de forma que
não renda notícia dolorida em canto de página policial.
Os acontecimentos dos
tempos cariocas dizem respeito a todos os brasileiros. O Brasil tem o direito e
o dever de agir, se preciso for até com intervenção federal. O Rio de Janeiro
precisa se desfazer de suas mazelas. Continuar lindo, para desfrute da
humanidade. É preciso que surjam pessoas interessadas em arrancar as flechas do
peito do padroeiro, para que São Sebastião do Rio de Janeiro possa ainda se
salvar, como é dito na belíssima canção de Aldir Blanc.
* Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)
Um comentário:
Bom dia mestre e amigo César
Brilhante o artigo Ai de ti Rio. Atualissimo.
Orlando Almeida
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