*Cesar Vanucci
“Quem traz na pele essa marca Possui a
estranha mania de ter fé na vida” (verso da canção “Maria, Maria”, de Milton
Nascimento e Fernando Brant).
Festa de forte
simbolismo, rico colorido humano e arrebatantes emoções. Inundada de lirismo
valeu também como exaltação de valores que conferem dignidade a aventura
humana.
O ingresso de
Maria da Conceição Evaristo na Academia Mineira de Letras representou,
naturalmente, triunfo pessoal, justo e merecido, de uma celebrada intelectual,
causando regozijo em segmentos que encontram no humanismo a própria razão de
viver. Estamos diante da primeira mulher negra a integrar, em mais de cem anos,
os quadros da importante instituição. Ao saudá-la o presidente Jacyntho Lins Brandão externou o desejo de que Conceição seja “a
primeira, mas não a única”. Disse, ainda, no pronunciamento que "A
chegada de Conceição Evaristo à AML a par do reconhecimento de sua trajetória
como professora, romancista e poeta, com justiça celebrada no Brasil e no
exterior, tem também o sentido de impregnar esta casa com suas qualidades e
história de vida".
Bastante
concorrida, a posse foi realizada na data comemorativa do dia internacional da
mulher, o que emprestou brilho mais acentuado ao evento. A mesa dirigente da
cerimônia foi composta exclusivamente de mulheres, entre elas convidadas
ilustres vindas de diversas partes do país. Na plateia observou-se participação
intensa de pessoas vinculadas às lutas pela inclusão social e combate às discriminações.
Antonieta Cunha, vice-presidente do sodalício, ao homenagear Conceição, afirmou
que a empossada é dos nomes mais expressivos da literatura contemporânea
na América Latina. Acrescentou que, em sua obra, vanguardeira, ela enfatiza
temáticas sociais relevantes, sendo possuidora de requintado estilo criativo,
seja em romance, conto, ensaio ou poesia. Disse: “Não por acaso, está traduzida
em tantas línguas e tem recebido tantos prêmios e homenagens.”
A vibração
reinante na sessão solene tomou feitio de prolongada ovação quando, na
saudação, Conceição foi comparada por sua força, raça e gana à Maria cantada
nos inspirados versos de Fernando Brant, na famosa música em parceria com
Milton Nascimento. Espontaneamente, como se estivesse obedecendo a uma batuta
invisível, um coral de vozes improvisado fez-se ouvir numa interpretação
comovente da canção. Algo eletrizante!
Com palavras
embebidas de emoção e ditos poéticos extraídos de sua alentada obra literária,
a escritora agradeceu à Academia, amigos, convidados, familiares que
superlotavam o recinto. Relembrou episódios marcantes de sua história de vida.
Falou do itinerário percorrido desde os tempos em que, integrante de família
humilde e numerosa, morava na antiga favela do Pendura Saia, região centro-sul
de BH. Ressaltou a influência decisiva de sua mãe Joana Josefina Evaristo, mulher simples, empregada doméstica,
dotada de sabedoria inata, em sua preparação para o jogo da vida.
Do pensamento vivo
e pulsante de Conceição Evaristo, autora de livros acolhidos com entusiasmo
pela critica e público, temos na sequência substanciosa amostra: “Eu não nasci rodeada de livros e, sim, rodeada de
palavras.”/ “Minha escrita é
contaminada pela condição de mulher negra”./ “Do negror de meus oceanos a dor
submerge revisitada esfolando-me a pele que se alevanta em sóis e luas
marcantes de um tempo que aqui está”./ “Tenho dito e gosto de afirmar que a
minha história é uma história perigosa, como é a história de quem sai das
classes populares, de uma subalternidade, e consegue galgar outros espaços”./
“Gosto de dizer ainda que a escrita é para mim o movimento de dança-canto que o
meu corpo não executou, é a senha pela qual eu acesso o mundo”.
Encurtando
a prosa: a posse de Maria da Conceição Evaristo na AML foi evento de raro
esplendor.
Jornalista
(cantonius1@yahoo.com.br)
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