Cesar Vanucci*
"Natal.
Apagam-se as luzes, acendem-se as esperanças”. (Eva Reis)
O
Natal é, por excelência, a época que melhor se identifica com o conceito ideal
de vida proposto por Akira Kuruosawa, quando fala do “mundo invejável dos
corações fervorosos”. O cineasta, sem propósito preconcebido, de vez que
emprega a harmoniosa expressão num contexto cultural não influenciado pelo
sentimento dominante nas celebrações natalinas, confere ressonância humanística
à mensagem de definitiva beleza que chega do fundo e do alto dos tempos. A
transcendência desta mensagem abrasa os corações e concita as criaturas de boa
vontade a se empenharem na construção de um mundo melhor.
Como
conceber, com os olhos da esperança, esse mundo invejável? Ele será,
seguramente, povoado de amor fraterno e não de ódio destruidor, de apaixonante
solidariedade social e não de desapiedado utilitarismo. De justiça removedora
de desigualdades e não de injustiça que só faz aguçá-las. De contemplação
ecumênica e democrática dos contrastes de opinião das ruas e não de imposição
autoritária própria de ambientes dominados por doutrina política única e
pensamento religioso sectário. De crença nos valores garantidores da dignidade
e não de desprezo solene a preciosos dons humanos, em nome de posturas desagregadoras.
Não fosse tudo isto tradução fiel das condições de vida imaginadas em sua
peregrinação de amor pela mais sábia e poderosa das criaturas, o Deus que há 2024
anos se fez carpinteiro.
A
realidade impiedosa de nossos tempos mostra que a distância do alvo a atingir,
na aspiração dos corações fervorosos, é de anos-luz. Muitas as estruturas da
convivência humana em estado de desarranjo. Esquecida das lições do saber
eterno, a humanidade tem avançado celeremente na edificação de um mundo
mecanicista, onde a tecnologia assume, na encruzilhada de decisões cruciais,
caminhos de duvidosa eficácia para a promoção humana. O exemplo é contundente e
não é único. A desintegração do átomo é enxergada pelas lideranças como
instrumento de destruição, não de construção. Percebe-se mundo a forma, Brasil
incluído, que as políticas econômicas relegam a plano inferior a amplitude
humana e os aspectos sociais. Vem sendo esquecida a lição singela de que o
homem é o princípio, meio e fim de tudo. Não existe para servir à política ou à
economia. O inverso é o correto.
A
sabedoria cristã – o mesmo se pode dizer de outros saberes religiosos – orienta
o ser humano no sentido de que se apegue a um ponto de equilíbrio, em meio às
naturais discordâncias provocadas pela efervescência intelectual, inerente à
vida. Essa busca pressupõe o domínio da serenidade. É reveladora da incompatibilidade
visceral da mensagem cristã, ou espiritual, com as posições extremadas e
fanatizadas. Isso tudo remete, na idealização de um mundo melhor, mais justo e
generoso, à necessidade de se dar à técnica uma feição humana, de se fortalecer
os avanços econômicos com a ampliação dos benefícios sociais, de se estabelecer
cooperação com a natureza, em vez de desbaratar as dádivas deixadas por Deus no
solo e subsolo deste planeta azul.
Um Feliz Natal para todos nós!
Jornalista (cantonius1@yahoo.com)